Depois de duas épocas intensas ao serviço da
Red Bull - BORA - hansgrohe,
Matteo Sobrero prepara-se para mudar de ares em 2026, assinando pela Lidl-Trek. E, antes de virar a página, o italiano de 28 anos deixou um testemunho raro e honesto sobre a cultura interna de uma das equipas mais tecnológicas e exigentes do ciclismo moderno.
Em entrevista ao
Bici.Pro, Sobrero descreveu a estrutura liderada pela Red Bull como um projeto de alta performance levado ao limite, onde cada detalhe é medido e cada decisão é calculada, um ambiente que combina ciência, dados e pressão corporativa.
“Sente-se realmente essa busca do extremo dentro da equipa. Eles não querem apenas estar entre os melhores, querem ser os melhores”, explicou Sobrero.
“Mas, para ser honesto, não é nada de totalmente novo. A INEOS Grenadiers começou este caminho na nutrição; depois a Visma deu outro passo com Asker Jeukendrup. A Red Bull está a fazer o mesmo, a tentar antecipar o futuro.”
“A parte boa é o nível; a parte má é perder o toque humano”
O italiano destacou que o investimento em tecnologia e pessoas especializadas elevou o padrão competitivo, mas teve um preço.
Segundo ele, a estrutura ultra-profissionalizada transformou-se numa máquina quase impessoal.
“Trabalhei bem com todos, mas o lado negativo é que o lado humano se perde”, confessou.
“As equipas têm agora quase 200 pessoas. Há pessoal que se conhece no primeiro campo de treinos em outubro e nunca mais se volta a ver durante o resto do ano.”
Sobrero apontou que a antiga sensação de camaradagem desapareceu.
“Em comparação com outras equipas, o ambiente é mais corporativo. A velha familiaridade desvaneceu-se. Cada um está focado na sua própria área e dá tudo dentro desse espaço.”
Um laboratório sobre rodas: da ciência do triatlo à nutrição ao grama
O departamento de performance da Red Bull - BORA - hansgrohe é dirigido por Dan Lorang, ex-treinador de triatlo, acompanhado de Asker Jeukendrup (nutrição), Dan Bigham (aerodinâmica) e Peter Klöppel (preparação mental).
Um verdadeiro laboratório sobre rodas, onde nada é deixado ao acaso.
“O Lorang vem do triatlo, onde era um verdadeiro guru”, explicou Sobrero.
“Ele organiza e supervisiona todos os outros treinadores. Está constantemente a investigar, a atualizar métodos, um investigador de investigação. Se algo não funcionava, ele queria saber porquê.”
A obsessão pelo detalhe estende-se à nutrição.
Com Jeukendrup, os ciclistas utilizam a aplicação Food Coach, registando cada refeição em gramas e ligando-se diretamente aos nutricionistas da equipa.
“Nós, italianos, temos uma cultura equilibrada, comemos bem e com moderação. Lá, o peso é medido à grama”, contou Sobrero.
“Os métodos funcionam, especialmente nas Grandes Voltas, mas todo o desporto mudou de forma extrema.”
“Pode pesar, o risco é o esgotamento”
Com a chegada iminente de
Remco Evenepoel à estrutura, Sobrero acredita que o belga vai encontrar um ambiente perfeito para maximizar o rendimento, mas exigente a nível mental.
“Pode pesar, para alguns mais do que para outros. Facilita a vida porque não temos de pensar em nada, mas para quem fez as coisas à sua maneira durante dez anos, mudar de hábitos não é fácil.”
O italiano destacou que a linha entre a perfeição e o esgotamento é cada vez mais ténue.
“Toda a gente faz sacrifícios para atingir o limite, mas o risco é o burnout. E isso está a tornar-se comum. Cabe ao psicólogo garantir que essa linha não é ultrapassada.”
Entre o génio e a exaustão
As palavras de Sobrero traçam o retrato de uma equipa obcecada pela excelência, construída sobre ciência, método e disciplina, mas onde o elemento humano se torna frágil.
À medida que a Red Bull - BORA - hansgrohe se prepara para entrar na era Evenepoel, o testemunho do italiano é um lembrete de que, mesmo na vanguarda tecnológica do ciclismo, o equilíbrio continua a ser o maior desafio.
“A parte boa é o nível; a parte má é perder o toque humano”, resumiu Sobrero, uma frase que diz tanto sobre o presente da equipa como sobre o futuro do próprio desporto.