O
GP Douro Internacional que ontem terminou, teve apenas 63 ciclistas a cruzar a linha de meta, dos quais apenas 18 pertenciam a equipas sub-23. Destes, cinco eram da Porminho, dois da Earth Consulters-Maia, outros dois da Soma Group e o restante contingente pertencia a formações espanholas. Este desfecho, ilustrativo do estado preocupante do ciclismo de formação em Portugal, motivou duras críticas por parte de Jorge Henriques, diretor desportivo da formação maiata, que exige uma reflexão profunda sobre o rumo da modalidade.
“O ciclismo tem de ser repensado e com toda a gente a ter voz ativa, federação, organizadores, equipas e atletas”, afirma Henriques ao O Jogo. Para o dirigente, o actual modelo está esgotado, com decisões constantemente adiadas e efeitos nefastos para as equipas amadoras. “Não podemos ter uma prova com prestígio como esta, com 80 corredores à partida”, lamenta, apontando para o evidente declínio do pelotão de base.
O responsável da equipa do Maia também critica o calendário, que segundo ele sacrifica as formações amadoras em nome da composição dos pelotões. “As equipas amadoras estão sempre na sombra das profissionais”, acusa, apontando a recente sequência de provas como um exemplo de desgaste desproporcional: “Chegámos ao Douro depois de um Abimota que pareceu feito para matar corredores, tendo aqui outra corrida dura, mais duas provas da Taça de Portugal e a seguir vamos parar.”
Henriques acredita que parte do problema poderá ser mitigado com uma abordagem mais equilibrada ao desenho dos percursos, dando o exemplo do que se faz em Espanha. "Os primeiros 70% de uma corrida devem ser acessíveis a todo o pelotão, fazendo-se a seleção nos quilómetros decisivos." Seria, segundo defende "uma forma de evitar que o ciclismo passe uma imagem negativa”.
Para continuarmos a ter momentos como este é necessário investir na formação
O dirigente destaca também o efeito nefasto da fragmentação constante do pelotão, tanto para quem acompanha na estrada como para os próprios ciclistas. “Quem está na berma da estrada fica uma hora parado, à espera que passe um pelotão totalmente fracionado e depois ainda vê corredores agarrados aos carros, porque alguns precisam de um resultado para salvar a equipa”, critica, antes de lançar uma interrogação que expõe o risco estrutural: “E agora pergunto: que acontece se acabarem projetos como o do Maia ou da Porminho? Os profissionais vão correr com quem?”
Para além da realidade das equipas sub-23, Henriques revela que também existe grande preocupação com os escalões de base. Numa recente reunião com a Federação, as equipas amadoras alertaram para um cada vez menor numero de praticantes entre juniores, cadetes e nas escolas. “Têm cada vez menos gente”, resume, apontando para um declínio que ameaça o futuro da modalidade.
Num cenário marcado por tantas dificuldades, há, no entanto, espaço para uma nota positiva: a evolução nas questões ligadas ao doping. “Já não há a nuvem escura sobre o pelotão. Estamos no bom caminho, com grande trabalho da ADoP no terreno”, conclui Henriques, sinalizando que, apesar da crise estrutural, há sinais de integridade que merecem ser valorizados.
O testemunho do diretor dos maiatos é um alerta claro. O ciclismo português, especialmente no seu segundo escalão e nos escalões de formação, precisa de uma estratégia conjunta e realista que garanta condições mínimas de sustentabilidade, competitividade e segurança. Porque sem ciclismo de base, nunca existirá o topo.
Foto Principal: ciclismo+TV