Quando
Jan Ullrich e
Rick Zabel analisam a atualidade do ciclismo no podcast Ulle & Rick, cruzam-se duas gerações distintas: a do alemão que conquistou a Volta a França em 1997 e a de um sprinter experiente que conheceu os meandros do pelotão World Tour. No mais recente episódio, o foco esteve em
Juan Ayuso, o jovem talento espanhol de 22 anos, cuja relação com a UAE Team Emirates - XRG se deteriora a cada semana que passa e atingiu o seu auge na
Volta a Espanha 2025.
“O Juan Ayuso corre por uma equipa acima de tudo, que é a Team Ayuso”, resumiu Rick Zabel, captando o sentimento de muitos dentro do pelotão. A frase tornou-se quase um refrão nas análises e foi usada para ilustrar o choque entre ambição individual e lealdade à equipa, um dilema recorrente no ciclismo profissional.
Desde as primeiras etapas da Volta a Espanha, o comportamento de Ayuso deixou sinais claros. Na jornada de Andorra, recorda Ullrich, “foi o único dos grandes favoritos a ceder imediatamente”. No dia seguinte venceu a etapa, mas não com espírito coletivo: pedalou unicamente em benefício próprio, sem se integrar na estratégia da equipa.
Zabel foi directo na crítica: “Até agora, nas etapas em que podia ter ajudado o Almeida, limitou-se a guardar energias para depois tentar ganhar uma etapa. Se não funciona para o Ayuso, então não vai funcionar para mais ninguém."
A rutura pública com a Emirates
A tensão subiu de tom no dia de descanso, quando a Emirates anunciou em comunicado que iria separar-se do espanhol. A resposta de Ayuso foi dura. Disse que havia um acordo para só fazer o anúncio no final da corrida, evitando comprometer a harmonia interna, mas acusou a equipa de procurar apenas “prejudicar a sua imagem”. Foi mais longe, descrevendo a situação como “uma ditadura”.
Ullrich, conhecedor dos bastidores do ciclismo, contextualizou o caso. “Já se sabia há algum tempo, que o Ayuso não era grande ciclista de equipa. É um talento enorme que precisa de ser cultivado. Mas até na Volta a França do ano passado ficou claro que faz sempre o que quer.”
O alemão criticou ainda a desistência de Ayuso na Volta a Itália de 2025, motivada por quedas e até por uma picada de abelha. “Muitos ciclistas enfrentaram problemas semelhantes e continuaram. Ele poderia ter feito uma grande diferença como gregário nas ultimas etapas.”
Para Ullrich, a lição é evidente: Ayuso já mostrou que pode vencer, mas ainda não aprendeu a grandeza de ser também um gregário. “Todos os grandes campeões fazem isso. Até o Pogacar. Se Ayuso trabalhar muito e o Almeida ganhar a Vuelta, essa vitória também é dele. Ele ainda precisa de aprender essa parte.”
Mais compreensivo, Zabel lembrou a juventude do espanhol. “Ele só tem 22 anos. Eu próprio nessa idade, pensava que queria correr só para mim. A maturidade vem com a idade.”
Ainda assim, foi firme quanto à exigência do ciclismo moderno: “Se dá entrevistas a parecer teimoso, está a seguir apenas o seu caminho. Em vez disso, podia assumir: ‘Cometi erros, respeito o Almeida e vou ajudá-lo’. E aí o jogo ainda não estaria acabado.”
A Vuelta em pano de fundo
O debate em torno de Ayuso ganha ainda mais eco pela competitividade da presente edição da Volta a Espanha. “O pelotão ficou brutalmente nivelado”, sublinhou Ullrich após o contrarrelógio coletivo. "Ao longo dos 24 quilómetros iniciais, a diferença entre a UAE Emirates vencedora e a equipa 10ª classificada foi de pouco mais de 30 segundos."
Num cenário tão equilibrado, o individualismo pode ser fatal para as aspirações coletivas de uma equipa como a Emirates e a figura de Ayuso continua a polarizar o pelotão e a comunicação social.