O primeiro
Campeonato do Mundo de estrada em solo africano, marcado para Kigali (21 a 28 de setembro), é celebrado por muitos como um passo histórico para o ciclismo. Mas vozes críticas alertam para questões políticas e éticas que, segundo elas, não podem ser ignoradas.
No podcast In de Waaier, o jornalista holandês Thomas Sijtsma não poupou palavras: “Paul Kagame estaria entre os três líderes mais brutais e assassinos dos últimos 30 anos. Os ruandeses comuns são mais vítimas do que beneficiários deste evento.”
“Estamos a legitimar a opressão”
Para Sijtsma, ao organizar um Mundial no Ruanda, o ciclismo serve de palco para um regime acusado de reprimir a oposição. “Estamos todos a legitimar a opressão de Kagame e o assassinato dos líderes da oposição. Os ciclistas precisam de perceber que são peões neste jogo. Se não fariam um Mundial na Rússia, porque haveriam de pedalar no Ruanda?”
O também jornalista
Thijs Zonneveld reconhece que é difícil esperar um posicionamento dos corredores. “O atleta é o elo mais fraco. Adoraria que os ciclistas se manifestassem, mas raramente isso acontece. O Pello Bilbao falou esta semana contra o genocídio em Gaza e Soren Waerenskjold recusou-se a correr na Volta à Arábia Saudita. Mas são excepções.”
Segundo Zonneveld, a pressão económica é o grande travão. “Há tantos patrocinadores no ciclismo que usam o desporto para melhorar a sua imagem. Deixar esta escolha para os ciclistas é a pior opção.”
Dependência de regimes controversos
Sijtsma vai mais longe. “O ciclismo tornou-se demasiado dependente do dinheiro do Médio Oriente e de outras partes duvidosas. Chegou a um ponto em que é quase impossível parar. Quando pensamos nos Emirados Árabes Unidos, pensamos em Tadej Pogacar, não nas violações dos direitos humanos enquanto fornecem armas ao Sudão.”
Zonneveld acusa ainda a UCI de incoerência, lembrando a recente polémica na
Volta a Espanha. “Depois da Vuelta, a UCI diz que política e desporto não se misturam e uma semana depois organiza um Mundial no Ruanda. É uma contradição gritante.”
Sijtsma confessa o desconforto profissional. “Tenho muito pouca vontade de escrever sobre o ciclismo neste Mundial. Não se pode ignorar a situação e os jornalistas têm o dever de a abordar.”