A 14.ª etapa da
Volta a França foi, até agora, o teste mais cruel desta edição. As dificuldades acumuladas em jornadas sucessivas nos Pirenéus acabaram por sair caro a vários ciclistas, entre os quais
Remco Evenepoel, que, visivelmente exausto e emocionalmente fragilizado, decidiu abandonar a corrida. Apesar de ter começado o dia em terceiro da geral e com a camisola branca, o campeão mundial e olímpico cedeu completamente no Col du Tourmalet e saiu da bicicleta.
A decisão gerou intenso debate no seio do ciclismo internacional, com opiniões divididas quanto à legitimidade do abandono. No podcast The Move, vários nomes sonantes comentaram o caso, incluindo
Bradley Wiggins,
Johan Bruyneel e
Lance Armstrong.
Wiggins foi direto:
"Isto era previsível. Ele ficou devastado depois do contrarrelógio de sexta-feira, foi ultrapassado pelo Vingegaard. No Tourmalet, vimos Remco a pedalar encostado à berma da estrada, frustrado com as câmaras e ansioso pela chegada do carro de apoio. Algo claramente não estava bem."
Para o britânico, o problema foi sobretudo a preparação deficiente antes do Tour, consequência da lesão grave sofrida em dezembro e do longo período sem treino:
"Se quisermos competir com Pogacar e Vingegaard, temos de estar a cem por cento. E o Remco, mesmo com todo o talento, não estava. No entanto, o contrarrelógio provou que ele continua entre os melhores do mundo. Mas quatro meses sem treino deixam marcas."
Johan Bruyneel centrou-se mais na pressão mediática e no que considerou ser um comportamento abusivo por parte da mota da transmissão televisiva:
"Não sou propriamente defensor do Remco, que tem uma personalidade forte. Mas compreendo perfeitamente a sua irritação. Estava a sofrer e a câmara continuava colada a ele. Deixem-no respirar. Estava devastado." O antigo diretor desportivo também sublinhou que, após a queda de dezembro, Evenepoel passou demasiado tempo sem treino estruturado:
"Começou a época a todo o gás, mas sem treino base. Isso não funciona numa Grande Volta."
Lance Armstrong trouxe para a conversa a pressão psicológica e os rumores de mercado:
"Ainda há algo em jogo nos bastidores. A especulação sobre a transferência é constante, e penso que há fundamento. Isso desgasta qualquer um. E agora imaginem estar na pele do diretor da Red Bull - BORA - hansgrohe, com Lipowitz em terceiro. Como é que se justifica troca-lo pelo Remco?"
Spencer Martin, analista regular da Wedu, foi o mais crítico:
"Remco continua a ser tratado como um jovem promissor, mas é apenas um ano mais novo do que Pogacar. Já não há margem para desculpas. O acidente com a carrinha dos correios foi um infortúnio real, mas os anos perdidos acumulam-se. Está na hora de mostrar resultados consistentes numa Grande Volta."
Apesar de tudo, os primeiros onze dias de Evenepoel no Tour deixaram indicações positivas, especialmente no contrarrelógio plano e nas etapas de média montanha. Mas nas grandes subidas, o corpo cedeu. E talvez, mais do que o físico, tenha sido o peso das expetativas, o desgaste da recuperação e a pressão constante que empurraram o belga para a saída precoce da corrida mais importante do calendário.
O abandono de Evenepoel é mais do que um episódio isolado, é um sintoma das exigências crescentes impostas a líderes jovens, que carregam equipas inteiras às costas e enfrentam o escrutínio mediático a cada pedalada. Se há uma lição a tirar, talvez seja a de que o talento não é suficiente quando o corpo e a mente ainda pedem tempo.