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Volta à Romandia Feminina deveria ter começado com uma celebração do ciclismo feminino de elite, mas arrancou, esta tarde, envolta em polémica. Seis equipas do WorldTour foram desclassificadas antes mesmo de começarem a corrida, após recusarem cumprir um protocolo imposto pela
UCI para testar um novo sistema de localização por GPS.
Num comunicado oficial, o organismo que rege o ciclismo mundial não só defendeu a decisão de aplicar o teste, como acusou as equipas de minarem os esforços coletivos para reforçar a segurança no pelotão.
“A União Ciclística Internacional(UCI) lamenta que certas equipas presentes na Volta à Romandia Feminina se tenham recusado a cumprir as regras da corrida relacionadas com a implementação de sistemas GPS como teste de um novo sistema de segurança”, começa o comunicado.
O teste, aplicado na prova suíça de três dias, servia como ensaio geral para a implementação total prevista para os Campeonatos do Mundo de Estrada de 2025, em Kigali (Ruanda). O plano obrigava cada equipa a designar uma ciclista para transportar um pequeno dispositivo de 63 gramas ao longo das três etapas, com o objetivo de melhorar a resposta a quedas e permitir monitorização em tempo real por parte da direção de corrida e das equipas médicas.
No entanto, cinco equipas (Canyon//SRAM zondacrypto, EF Education-Oatly, Lidl-Trek, Team Picnic PostNL e Team Visma | Lease a Bike) recusaram cumprir o protocolo, alegando preocupações com questões logísticas, responsabilidades em caso de queda e a forma como o teste foi imposto. A recusa em nomear uma ciclista para carregar o dispositivo levou à sua exclusão.
A UCI mostrou-se surpreendida e crítica: “A decisão destas equipas de se oporem às regras específicas desta prova é surpreendente e mina os esforços da família do ciclismo para garantir a segurança de todos os ciclistas, desenvolvendo esta nova tecnologia.”
“É deplorável assistir à recusa de algumas equipas em avançar em conjunto para proteger a segurança das ciclistas, e a UCI condena a sua falta de cooperação.”
O organismo garante que as regras foram comunicadas com antecedência, a 7 de agosto, e reiteradas na reunião de diretores desportivos antes da corrida. O teste foi enquadrado nos artigos 1.3.073 e 2.12.007/3.5.3 do Regulamento UCI, que permitem a imposição de regras específicas por evento.
Contudo, Jonathan Vaughters, diretor da EF Education-Oatly, sublinhou que a recusa não foi motivada pela tecnologia em si, mas pelo facto de as equipas não quererem ser obrigadas a escolher qual das suas ciclistas assumiria o risco, sem esclarecimentos sobre impacto no desempenho ou responsabilidade em caso de queda. Algumas pediram que fosse a UCI a fazer essa escolha, pedido que foi recusado.
“Usar uma prova do WorldTour como campo de testes é errado. E depois, ao impor essa decisão, atiram para as equipas a responsabilidade de escolher a ‘vítima’? Não está certo. E desqualificá-las por não o fazerem, ainda menos”, escreveu Vaughters nas redes sociais.
No seu comunicado, a UCI não reconheceu essa versão, limitando-se a afirmar que “certas equipas se opuseram ao teste por não nomearem a ciclista que transportaria o dispositivo, optando assim por serem excluídas da Volta à Romandia Feminina”.
Numa nota que muitos interpretaram como tendo fortes conotações políticas, a UCI destacou ainda que a maioria das equipas excluídas pertence à Velon, organização que desenvolve os seus próprios sistemas de transmissão de dados e GPS e que mantém uma relação tensa com a UCI sobre direitos comerciais e de utilização de dados.
“Deve ser notado que a maioria destas equipas faz parte da organização Velon, que é proprietária do seu próprio sistema de transmissão de dados e trabalha no desenvolvimento do seu próprio sistema de GPS”, refere o texto.
As equipas, no entanto, têm enquadrado a recusa em termos éticos e operacionais: falta de consulta prévia, ausência de apoio técnico adequado e inexistência de uma avaliação clara de riscos.
E agora?
A Volta à Romandia Feminina prossegue com um pelotão reduzido e sem várias das suas figuras de topo, incluindo Demi Vollering, ausente por doença. A UCI já admitiu que poderá aplicar novas medidas: “Perante esta situação, a UCI considerará se serão justificadas outras ações, de acordo com os Regulamentos UCI.”
O cenário abre espaço para eventuais sanções adicionais às equipas, um debate renovado sobre a padronização dos sistemas de GPS e, talvez, uma reflexão mais profunda sobre como implementar inovações sem alienar as principais partes interessadas.