Quando
Louis Vervaeke cruzou a meta em Madrid no final da
Volta a Espanha 2025, não sentiu o habitual alívio de ter terminado três semanas de esforço. Em vez disso, ele e muitos colegas da equipa Soudal – Quick-Step refletiam sobre um dos episódios mais surreais e inquietantes de uma Grande Volta, transformada repetidamente em palco de manifestações pró-Palestina que chegaram a colocar em risco a segurança do pelotão.
Em declarações ao Sporza, após o cancelamento da cerimónia final em Madrid por questões de segurança, o belga expôs o ambiente vivido no seio do grupo. Por fora, podia parecer apenas uma corrida de três semanas com protestos ao longo do percurso, mas no meio do pelotão a sensação era de verdadeiro cerco político.
"Houve sítios onde nos atiraram tachas. Isso foi longe demais. Os diretores de equipa disseram-me que haviam pessoas que até saltavam de pontes com cordas para parar os carros. Não foi tudo foi filmado, mas foi espetacular, mas não pelo bom sentido", relatou Vervaeke.
Bilbao, o ponto de rutura
Segundo o belga, a viragem aconteceu na 11.ª etapa, em Bilbao. Até então, o pelotão conseguira abstrair-se do ambiente hostil, mas na cidade basca tudo mudou. "Aquela primeira passagem pela meta foi um abrir de olhos. Não se deve dizer isto assim, mas sentimo-nos quase como animais selvagens atrás das barreiras, desesperados por fugir."
A partir desse momento, a ansiedade instalou-se. Os ciclistas passaram a encarar cada troço de estrada como uma incógnita: mais tachas, mais manifestantes a invadir o asfalto, mais atrasos numa corrida já de si desgastante.
Protestos em Madrid cancelaram a última etapa da Vuelta
O medo no pelotão
As manifestações tiveram um peso especial para a Israel – Premier Tech, cuja camisola e bandeira se tornaram alvo direto dos protestantes. Vervaeke mostrou empatia: "Não foi uma escolha deles. Vestem uma camisola que hoje em dia é muito pesada. Estavam a sofrer, só queriam que a Volta a Espanha acabasse. Alguns até perguntaram se teríamos espaço na nossa equipa no próximo ano. Sentiram que não podiam ir para casa porque têm contrato e arriscavam-se a perder o emprego. Foi muito triste ver isso."
Para o pelotão em geral, o receio era mais simples: ser forçado a parar a grande velocidade. "Não se apercebem de como é perigoso parar um ciclista a 40 ou 50 quilómetros por hora. Só queríamos correr e não sermos arrastados para a política. Mas estávamos em perigo e em Madrid já não era sustentável."
Madrid sob vigilância apertada
A etapa final na capital espanhola decorreu sob um dispositivo policial sem precedentes. Os ciclistas entraram numa autêntica "zona segura", como descreveu Vervaeke, que admitiu nunca se ter sentido em perigo em Madrid, embora os danos psicológicos já estivessem feitos.
No seio das equipas, a sensação geral foi de que a Volta a Espanha tinha escapado ao controlo desportivo. Até a Team Visma | Lease a Bike, que celebrava o triunfo de Jonas Vingegaard, reconheceu que o ambiente ensombrou a festa: faltou o habitual champanhe e a comemoração foi mais contida do que jubilosa.
O caos abriu debate sobre se a organização poderia ter atuado de forma diferente, com comparações às clássicas belgas, onde a coordenação entre governo, polícia e grupos de protestantes já evitou incidentes graves. O contraste com Espanha foi evidente e levou muitos a concluir que esta edição foi um caso sem precedentes na história recente do ciclismo.
Para Vervaeke, a lição é clara: "Estávamos em perigo. Parecia que estávamos a ser arrastados para um conflito político que não tinha nada a ver connosco. Não pode ser essa a intenção."