No mais recente episódio do podcast
The Move,
Johan Bruyneel e Spencer Martin mergulharam numa análise profunda da luta pela geral na
Volta à Suíça 2025, mas também deixaram duras críticas às mais recentes decisões regulamentares da UCI. Entre a ascensão de
Kevin Vauquelin, a consistência de
João Almeida e o aparente caos técnico imposto ao pelotão, o episódio revelou tanto fascínio desportivo como frustração institucional.
A apenas duas etapas do final da prova suíça, João Almeida posiciona-se como o mais forte candidato à vitória. Apesar de estar em terceiro lugar da classificação geral, a 39 segundos de Vauquelin, o português da
UAE Team Emirates - XRG mostra uma excelente forma e tem pela frente dois dias decisivos: uma chegada em subida na 7ª etapa e uma crono escalada no último dia. Bruyneel não poupou elogios: "Ele é o melhor ciclista da corrida e está numa forma fantástica."
Para o ex-diretor desportivo, a vitória de Almeida na etapa 4 foi emblemática: "Foi um desempenho e peras... atacar a cerca de 3 km do topo e manter a vantagem por mais de 40 km até à meta." Martin reforçou que a capacidade do português para “magoar o pelotão todo” é o que o torna um dos grandes nomes das corridas por etapas.
Bruyneel lamentou, no entanto, uma oportunidade perdida na etapa seguinte. Almeida, ao insistir em seguir isolado, poderia ter beneficiado tacticamente se tivesse deixado um pequeno grupo colar-se: "Se perdesses mais 10 segundos e levasses mais três contigo, no final a vantagem final teria sido maior."
João Almeida está em grande forma ás portas da Volta a França
O nome de Kevin Vauquelin também se impôs na discussão. O francês da Arkéa - B&B Hotels veste a camisola amarela graças a uma fuga bem-sucedida na 1ª etapa e à sua consistência nas subidas. Bruyneel teceu-lhe elogios: "Tenho uma opinião muito positiva sobre ele. Sobe bem, faz bons contrarrelógios... vai aguentar e subir ao pódio de certeza."
Ainda assim, Martin questionou se Vauquelin teria capacidade para resistir aos esperados ataques de Almeida no final da 7ª etapa, com rampas de 8% nos últimos 4 km. A última tirada, uma crono escalada de 10 km com pendentes entre 8 e 10%, deverá ser o cenário decisivo "O Almeida vai ter que ter um bom dia... e se tiver ele ganha a Volta à Suíça. Mas não por muito."
A possível transferência de Vauquelin para a INEOS Grenadiers também foi abordada. Bruyneel foi implacável ao descrever a estrutura da equipa britânica como rígida e ultrapassada: "Têm cinco a sete ciclistas que são instituições dentro da equipa. São intocáveis, independentemente dos resultados."
Martin alertou que os jovens talentos podem estar estagnados por um modelo hierárquico desajustado, ao que Bruyneel respondeu com uma metáfora: "Eles agora são cães domésticos... deixaram de ter fome." Ambos defenderam a criação de uma equipa de desenvolvimento própria, sub-23, que permita à INEOS moldar jovens ciclistas em vez de depender de estruturas externas.
O episódio enveredou depois por críticas veementes à UCI, centradas nas novas regras experimentais que pretendem limitar a relação máxima de transmissão - reduzindo a distância percorrida por pedalada para 10,4 metros - e que poderão afetar gravemente as marcas como a SRAM. "Não posso acreditar... a UCI vem com esta coisa, as equipas que estão equipadas com SRAM têm um enorme problema pela frente" Bruyneel classificou a proposta como "espantosa" e sublinhou a falta de diálogo com a indústria: "Uma pessoa que conheço vai à falência porque apostou tudo num novo guiador de ultima geração."
A regulamentação da largura dos guiadores também foi alvo de críticas. Para ciclistas mais baixos e para o pelotão feminino, a imposição de limites mínimos pode gerar insegurança e colocar em risco a fluidez no pelotão. "Se estás habituado a um guiador de 38 mm e agora tens de andar com um de 40, podes achar que passas... mas não passas", alertou Bruyneel. "Não se pode aplicar uma regra para todos os ciclistas "
Segundo Bruyneel, estas mudanças surgem sob pressão de um “triângulo francês” que inclui Christian Prudhomme (ASO), Marc Madiot (FDJ) e o presidente da UCI, David Lappartient. "Dizem que as recomendações vêm da SafeR, mas a origem destas propostas está nesse trio. Eles têm uma influência desproporcionada na política de segurança atual."
Um dos momentos mais comoventes da conversa foi a homenagem a Gino Mäder, dois anos após o trágico acidente que vitimou o jovem suíço. Quinn Simmons, que esteve envolvido nesse acidente, venceu isolado a 2ª etapa e dedicou-a abertamente a Mäder e à sua família. "Foi um desempenho inacreditável", comentou Bruyneel. "430 watts durante 36 minutos, quase 6 w/kg. Foi uma loucura." Martin reforçou: "Parecia que ia ser apanhado, mas aguentou com uma determinação brutal."
O episódio terminou com um tom resignado face à gestão da UCI. Bruyneel, balançando a cabeça, foi claro: "O que quer que digamos não interessa. Eles não querem saber."