O ciclismo sempre foi uma modalidade imprevisível e a edição de 2025 da
Volta a Itália que ontem terminou, demonstrou-o mais uma vez. No entanto as minhas palavras hoje vão direcionadas para um ciclista que a meu ver, mesmo não tendo concluído a prova, teve a sua dose de culpa no desfecho final:
Juan Ayuso.
Juan Ayuso é um caso de estudo. Foi para a corrida com a liderança partilhada com Adam Yates e após a etapa de Siena viu-se ultrapassado por Isaac Del Toro. A
UAE Team Emirates - XRG nunca deu ao ciclista mexicano a liderança absoluta da equipa, mesmo estando na liderança da classificação geral e isso teve um preço alto, feitas as contas no final.
Na etapa de Siena, após as imensas quedas que assolaram o pelotão, Isaac del Toro podia ter sentenciado parte da Volta a Itália. Não o fez, porque atrás dele vinha Ayuso e Del Toro não terá desobedecido ás ordens do carro, ao não atacar o grupo em que seguia. Nesse dia, Del Toro podia ter ganho imenso tempo.
Ayuso é daquele tipo de ciclistas que, como eu costumo dizer, "ou fazem as coisas são como eu quero ou então eu não faço nada". Podem dizer que estou a ser demasiado duro com o ciclista espanhol, mas não estou. Há anos que ele é assim.
Ayuso foi picado por uma abelha ou pelo bicho da preguiça? Conveniente!!
Lembram-se da Volta à Catalunha de 2022? À 3ª etapa da corrida Juan Ayuso era 2º à geral a 10 segundos de Ben O'Connor.
João Almeida estava atrás dele na geral. O ciclista português ganha a 4ª etapa e passa para a liderança da corrida com o mesmo tempo de Nairo Quintana. Na etapa seguinte João Almeida bonifica 1 segundo num sprint intermédio e no final do dia é líder isolado da Catalunha.
Com Almeida de amarelo o que é que faz Ayuso na 5ª etapa? Ataca. Ataca e leva com ele dois homens que são rivais do Português à geral: Richard Carapaz, então na INEOS e Sergio Higuita que vestia as cores da BORA. Ayuso atacou... e mais à frente desligou-se da fuga e acabou a etapa ao lado de João Almeida. Resultado no final do dia? Higuita assume a liderança da corrida, Carapaz passa para 2º e João Almeida para 3º lugar a 52 segundos da liderança.
Este é um daqueles, de muitos outros momentos, onde eu posso apontar o dedo a Ayuso e não sentir compaixão ou culpa. Nesta Volta a Itália Ayuso falhou num dia de alta montanha após o dia de descanso. Perdeu as hipóteses de vencer a corrida. Todos falaram do joelho, eu acho que foi apenas um mau dia do espanhol em cima da bicicleta. Na etapa seguinte perde cerca de 30 minutos e a equipa veio dizer que ele teria sido picado por uma abelha.
O que está por explicar é o porquê de Ayuso não ter recorrido ao carro de apoio médico após a "picada" da abelha, porque não consta do relatório. Mais importante ainda é o facto de quando Ayuso passou a linha de meta, ele não apresentar sinais visiveis de ter a cara inchada, como seria suposto após ter sido picado.
Conveniente? Sim. Foi a forma que a UAE encontrou para que o ciclista espanhol abandonasse a corrida sem ter de dar explicações e no fundo, criar em torno dele empatia, porque estava em sofrimento. Não, não estava em sofrimento. Já vi ciclistas em muito pior estado que Ayuso e que vão para cima da bicicleta, dão tudo pelos seus colegas de equipa. Isso é espirito de equipa, humildade, sacrifício. É dar tudo por tudo pela equipa.
Ayuso simplesmente recusa assumir um papel secundário. Quer ser o protagonista principal. Quer ter uma equipa a trabalhar para ele e não trabalha para a equipa. Adam Yates, na Volta a França do ano passado, teve de entrar mais cedo ao trabalho no Col du Galibier, num dia em que João Almeida passou bastante tempo de cara ao vento e o chamou para ajudar no trabalho para Pogacar, porque Ayuso andava na parte de trás do grupo, com uma cara de sofrimento.
Mas passada a dificuldade do dia o seu sofrimento acabou rapidamente e passou a linha de meta à frente de quem trabalhou. Yates foi duro com o seu colega de equipa. Dois dias depois o espanhol abandonou o Tour... supostamente por ter contraído COVID.
Ayuso é daqueles ciclistas que, se eu fosse director desportivo, nunca quereria na minha equipa. Na UAE ele está protegido pelo seu conterrâneo Matxin. Mas até quando?