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Volta a Espanha de 2025 deveria ter terminado em festa, com o tradicional desfile até Madrid, champanhe sobre os carros das equipas e a coroação de Jonas Vingegaard. Em vez disso, ficou marcada pelo silêncio e pela tensão, depois de a 21ª etapa ter sido anulada devido a protestos pró-palestinianos. O episódio encerrou três semanas de perturbações e levantou sérias dúvidas sobre a capacidade do ciclismo moderno em proteger-se de ameaças externas.
Para Jesper Worre e
Matti Breschel, comentadores do Eurosport e antigos profissionais, o desfecho foi mais do que um contratempo logístico: foi um alerta. “Não é preciso muito para que tudo pare”,
sublinhou Breschel na análise final, enquanto as imagens mostravam ciclistas desmontados, barreiras derrubadas e a organização em sobressalto. “O ciclismo sobreviveu a guerras mundiais e a uma pandemia global... mas este é um novo tipo de ameaça. Uma ameaça silenciosa. E é isso que a torna perigosa.”
Um desporto exposto
Ao contrário de modalidades disputadas em estádios controlados, o ciclismo decorre em estradas abertas, atravessando cidades, montanhas e aldeias. Essa proximidade é o que lhe dá encanto, mas também a sua maior fragilidade. Durante esta Vuelta, os manifestantes derrubaram barreiras e até tentaram entrar no pelotão em plena corrida. “Vimos pessoas a tentarem atropelar os ciclistas”, denunciou Worre em direto. “A 60 km/h, isso não é apenas imprudente, é potencialmente catastrófico.”
A 21ª etapa terminou de forma inédita, com o pelotão parado nos arredores de Madrid. “Senti-me vazio. Trágico, até”, admitiu Worre. “Se nós nos sentimos assim, imaginem os ciclistas.”
Cenário caótico em Madrid levou ao cancelamento da 21ª etapa
O dilema dos organizadores
Javier Guillén e a direção da Vuelta tentaram levar a corrida até ao fim, mas a dimensão dos protestos tornou impossível garantir segurança. “Podiam ter encontrado um circuito alternativo, mas ninguém podia prever este nível de perturbação”, avaliou Breschel. Ainda assim, tanto ele como Worre elogiaram a forma como a organização geriu a crise: “Fizeram o que podiam. Mas o risco de segurança acabou por superar o espetáculo.”
Uma ameaça estrutural
Para além do impacto imediato, os comentadores destacaram as implicações mais vastas. “Isto não foi apenas um dia mau”, lembrou Worre. “Aconteceu várias vezes. A Vuelta quase não chegou a Madrid. Isso não é normal.” Num desporto em que um único indivíduo pode parar uma corrida inteira, a vulnerabilidade é clara. Breschel foi incisivo: “Basta uma falha. E a coisa toda desmorona-se. Isso deveria preocupar toda a gente. Não apenas os organizadores, mas toda a comunidade do ciclismo.”
Entre o caos e as conquistas
Apesar de tudo, houve motivos de celebração desportiva. Vingegaard confirmou a sua superioridade e conquistou a camisola vermelha. Mads Pedersen foi o mais regular nos sprints e levou a camisola verde, Jay Vine conquistou a montanha e Matthew Riccitello brilhou como melhor jovem. “Não esqueçamos o que foi conseguido”, frisou Worre. “Vingegaard continua a ganhar. Pedersen ainda leva o verde. Isso é importante.”
A Volta a Espanha 2025 ficará, assim, para a história não só pela vitória do dinamarquês, mas pelo choque de realidade que expôs: a vulnerabilidade estrutural de um desporto que, pela sua essência aberta, está mais exposto do que nunca a fatores externos.