Há poucos meses,
Michael Matthews esteve à beira de perder tudo. Às vésperas da
Volta a França, o australiano da
Team Jayco AlUla foi diagnosticado com uma embolia pulmonar, um golpe devastador que o afastou da bicicleta e colocou em risco não só a carreira, mas também a vida.
Aos 35 anos, o ciclista renasceu das sombras com a serenidade e o sorriso que sempre o caracterizaram. O seu desempenho na Il Lombardia, onde passou grande parte do dia na fuga, simbolizou não apenas uma recuperação desportiva, mas um regresso à vida.
“Atacar era o nosso plano desde o início”, explicou Matthews. “Sabia que a melhor forma de obter um bom resultado era entrar cedo na fuga, e tive sorte em encontrar um grupo forte. Era preciso ter boas pernas para entrar e ainda melhores para lá ficar. Felizmente, as minhas estavam ótimas.”
Apesar de admitir que uma abordagem mais conservadora poderia ter sido interessante, o australiano mostrou-se satisfeito.
“Talvez tivesse valido a pena tentar uma tática diferente, mas estou contente com o resultado e com as sensações. Estou no bom caminho para voltar ao meu nível. Só é pena que a época já esteja a terminar.”
De temer pela vida a reencontrar o prazer de correr
Questionado sobre as semanas sombrias que antecederam o diagnóstico, Matthews não escondeu a angústia. “Foi uma montanha-russa de emoções. Tinha acabado um estágio de três semanas e estava preparado para o Tour quando isto apareceu. Ter trabalhado tanto e ser travado por um diagnóstico médico foi devastador. Não sabia se voltaria a pedalar, ou se sequer sobreviveria. Ninguém sabia o que viria a seguir.”
Quando o tratamento começou, surgiu o alívio e a vontade de lutar. “Quando percebi que não ia morrer, quis logo saber o que precisava de fazer para voltar ao meu nível. Foi aí que percebi o quanto amo este desporto e o quanto gosto do meu trabalho.”
O medo transformou-se em motivação. “A ideia de perder tudo fez-me querer voltar ainda mais forte. Houve dias em que me senti perdido, mas graças à minha mulher e à minha família mantive a cabeça lúcida.”
O australiano descreve os meses seguintes como os mais duros da carreira. “Estava deprimido. Perguntei a mim próprio se a vida tinha acabado. Foram quatro meses muito turbulentos, mas agora estou aqui, orgulhoso do que fiz. Tentei ver o lado positivo e saí disso a sorrir, com pernas que ainda me permitem lutar com os melhores.”
Um novo impulso e a ambição de sempre
Matthews voltou a competir em boa forma e encontrou consistência nas corridas italianas. “Em Plouay já tive um bom desempenho, apesar de não correr há meses. Quase subi ao pódio e percebi que podia voltar. Mentalmente, foi difícil lidar com as corridas seguintes, mas depois do Mundial, durante as italianas, encontrei continuidade.”
Agora, acredita que essa regularidade é a chave para o futuro, e mantém vivo o sonho de vencer um Monumento, em particular a Milan-Sanremo. “O sonho continua a ser a Milan-Sanremo, e estou dez vezes mais motivado. A minha carreira podia ter acabado este ano, mas ter superado tudo isto faz-me acreditar outra vez em mim. Nas corridas italianas senti a cabeça mais leve do que nunca, e até os médicos dizem que tenho o corpo de um jovem de 25 anos. Aos 35, não é mau ouvir isso.”
Um veterano entre gerações
Ao refletir sobre o percurso, Matthews vê-se como um elo entre eras distintas do ciclismo. “A minha carreira atravessa várias gerações. Comecei na era Boonen, enfrentei Sagan a meio e agora corro na era Pogacar. Cruzei-me com alguns ciclistas capazes de fazer coisas incríveis. Tento dar o meu melhor e orgulhar-me da forma como me adaptei aos diferentes estilos de corrida.”
A vitória num Monumento ainda escapa, mas o australiano continua determinado. “Ainda falta o selo de uma vitória numa grande Clássica, e já estive perto várias vezes. No próximo ano, a Volta a França começa com um contrarrelógio por equipas, e a minha experiência pode ser útil. Agora quero apenas aproveitar e voltar a ser o Michael de antigamente.”
Olhando para trás, Matthews acredita que a provação lhe deu uma nova perspetiva. “Acho que provavelmente prolongou a minha carreira. Fez-me perceber o que tenho e apreciar todas as oportunidades que aparecem.”