Ao fim de 12 épocas a vestir a camisola da
Soudal - Quick-Step,
Pieter Serry foi informado que não continuará na equipa em 2026. O belga de 36 anos, um dos elementos mais leais da Wolfpack, admitiu estar profundamente desiludido com a forma como o processo foi conduzido e não poupou críticas ao responsável máximo da estrutura,
Jurgen Fore.
"Pergunto-me: será que o Jurgen sabe realmente quem eu sou? disse Serry. "Quer dizer, este ano ainda não tive oportunidade de provar o meu valor. Isso já é difícil quando se é um dometique. Mas é como se toda a minha época se tivesse esvaído sem que ninguém visse verdadeiramente o que eu estava a fazer".
Um choque depois de tantos anos de dedicação
Os rumores sobre a saída começaram a circular ainda durante a primavera, mas só ganharam consistência após as Ardenas. Quando a confirmação chegou, foi um choque para Serry, que há mais de uma década desempenha funções de gregário em todas as grandes voltas e clássicas. "O Jurgen tinha medo da temida 'época a mais'", admitiu. "E é justo, pois farei 37 anos em novembro. Mas, mesmo assim, tive de engolir com força - duas vezes".
A frustração de Serry é agravada pela falta de coerência entre o que lhe era dito no início do ano e a decisão final. "Diziam: 'Ainda tens tempo, sabemos que te cuidas'. E eu cuido, segui todos os horários de treino à risca. No ano passado, ainda estava na (pré-)seleção para a Volta a França", recordou.
O gregário invisível
Apesar de raramente aparecer nos resumos televisivos, Serry construiu uma reputação sólida dentro do pelotão como gregário de confiança, sempre pronto a sacrificar-se pelos líderes da Quick-Step. "Após 100 quilómetros, dei a minha bicicleta a Mattia Cattaneo. Ele foi nomeado líder nessa manhã, por isso fiz o que me foi pedido. Mas, claro, isso significava que a minha corrida tinha acabado. É assim que acontece quando se é um ajudante, o nosso trabalho é muitas vezes invisível", contou.
Toda a sua preparação em 2025 esteve direcionada para a Volta a Itália, mas, após três semanas de treino em altitude, foi surpreendido com a exclusão. "Disseram-me que tinham escolhido outra pessoa. Pensei: 'Espera, o quê?' Depois vieram as más notícias sobre o meu contrato. Nessa altura, soube que também não iria ao Tour", revelou.
"Onde é que eu falhei?"
Serry explica que nunca recebeu justificações claras para o seu afastamento: "Será que se desce assim tanto num só ano? Perguntei: 'Onde é que eu falhei?' Mas nunca obtive uma resposta concreta".
A saúde foi apontada como uma das razões, algo que Serry considera injusto, dado o seu histórico de recuperação de lesões graves. "É verdade, o corpo leva uma tareia ao fim de 15 anos como profissional. Tive um golpe de calor, parti as duas clavículas e uma vértebra do pescoço. No ano passado, fui atropelado por um carro enquanto treinava e fiquei com visão dupla. Mas recuperei sempre totalmente, muitas vezes com uma rapidez surpreendente. Tenho quase 37 anos, sim, mas não tenho problemas nas costas nem nos joelhos. Estou em forma".
A meio de 2025, um novo golpe abalou a sua temporada: a morte do avô, pouco antes do Campeonato da Bélgica. "Esta época correu tudo de forma estranha", resumiu. "O ciclismo pode ser um mundo brutal às vezes".
O fim de um ciclo na Wolfpack
Com a saída confirmada, termina uma das carreiras mais longas e discretas dentro da Quick-Step. Apesar de não acumular vitórias, Serry foi um dos rostos mais fiéis da Wolfpack e um símbolo da importância dos gregários. Para muitos adeptos, a sua história expõe um problema estrutural do ciclismo moderno: a desvalorização dos homens que trabalham nas sombras, sem quem os líderes não poderiam brilhar.