"Sinto que há menos respeito... é mais perigoso andar no meio do pelotão" Veteranos do pelotão português criticam pressão sobre os jovens ciclistas nacionais

Ciclismo
sábado, 16 agosto 2025 a 14:47
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Em declarações à Agência LUSA, os veteranos do pelotão português olham para os dias de hoje com nostalgia, lembrando tempos em que o respeito e o convívio dentro do pelotão eram mais evidentes, enquanto os mais jovens parecem preferir a internet aos ensinamentos dos mais experientes.
"Hoje sinto que há menos respeito no pelotão. Muitos ciclistas jovens têm a ambição de chegar ao WorldTour e isso leva-os a arriscar mais, a dar tudo para ganhar posições, porque sabem que um contrato assim pode mudar a vida. Sem dúvida que é mais perigoso andar no meio do pelotão, e eles não calculam os riscos, vão mais rápido por isso", afirmou Joaquim Silva.
Curiosamente, a palavra "respeito" foi também a escolhida por João Matias (Tavfer-Ovos Matinados-Mortágua) e Rafael Reis (Anicolor -Tien21) para diferenciar a sua geração, ambos nascidos no início dos anos 90, dos ciclistas de 20 anos que agora iniciam a carreira. "O que eu quero é que haja respeito no pelotão. Não é por eu ser mais velho que têm que me respeitar, mas sim por respeito por todos. Hoje há muito mais stress, mais imprudência. E há pressão para os jovens se mostrarem e chegarem à elite do ciclismo e ‘ganhar dinheiro’", alertou Matias.
Silva recorda ainda os seus primeiros anos: "Quando alguém mais velho falava, os mais novos ouviam e calavam. Era como em casa com os pais: o respeito pelos mais velhos era natural. Hoje isso perdeu-se um pouco, infelizmente".
Rafael Reis, primeiro camisola amarela da 86ª Volta a Portugal, acrescenta: "Havia um respeito diferente. Víamos os mais velhos quase como ídolos. Hoje ainda acontece, mas não com a intensidade de antes. As redes sociais também mudaram muito as coisas".
Todos apontam a internet como responsável por alterar hábitos do pelotão, como o convívio pós-jantar no camião das equipas, tradição que os três veteranos continuam a preservar. "Quando passei a sub-23 e depois a profissional, tinha um telemóvel de teclas a preto e branco. Jogava à cobrinha, quando muito", recordou Matias, defensor do ritual de ir ao camião "comer umas amendoínhas e beber uma cervejinha", que ajuda a aliviar a pressão e a lembrar que nem tudo é competição.
A influência digital faz com que os mais jovens ouçam menos os colegas com experiência. Silva explica: "Às vezes é preciso ralhar, repetir a mesma coisa várias vezes. Com tanta informação na internet, podcasts e até o ChatGPT, os miúdos acham que já sabem tudo. Mas a experiência conta muito mais do que o que se lê ou se vê online".
Reis admite que ainda é ouvido, mas reconhece que "há ciclistas com outra mentalidade e ego, que não escutam".
Com poucos veteranos restantes no pelotão, estes trintões já pensam no seu papel futuro. Matias confessa: "Quando sentir que o ciclismo já não compensa, mais vale pendurar a bicicleta. Nos momentos mais difíceis em cima dela, penso logo: ‘Será que estou velho demais? O corpo está a decair?’ Hoje há tanta gente nova e pouco espaço para os velhos".
Silva cita o exemplo de Geraint Thomas, campeão do Tour 2018, que se retira esta temporada aos 39 anos, como reflexo da realidade mundial: equipas à procura do "novo Remco Evenepoel ou Tadej Pogacae" e preterindo a experiência. "Quanto mais ciclistas experientes houver no pelotão, maior a influência positiva sobre os mais jovens. É isso que falta", concluiu.
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