"Todos os dias noto menos gente" Rui Sousa, Manuel Correia e Hernani Brôco dizem que o ciclismo português precisa de ser repensado

No penúltimo ano do contrato de concessão da Volta a Portugal à Podium Events, que foi apresentada quando faltavam menos de três semanas para ir para a estrada, ficou marcada por algumas decisões polémicas, nomeadamente do colégio de comissários, e por um ‘fracasso’ no que toca à adesão de público.

A Volta tem vindo a perder o encanto, em grande parte devido ao caos organizativo em que se deixou mergulhar. A comunicação com a caravana falha de forma recorrente, muitas vezes sendo a RTP, verdadeira ‘dona’ da corrida, a primeira a informar os intervenientes em direto. Falha também o respeito pelos ciclistas, como se viu na neutralização da 4ª etapa, em que não foram sequer ouvidos, ou no atraso sistemático no pagamento dos prémios. Até o acesso dos jornalistas que não pertencem ao canal público aos corredores no final das etapas continua a ser condicionado.

“Todos os dias noto bastante menos público do que noutros anos e noutros tempos. Não sei bem o fator”, disse Rui Sousa, em declarações à agência Lusa. Para o vice-campeão da Volta de 2014, a principal razão poderá ser a ausência de “alguns ciclistas que nos últimos anos tenham sido uma referência portuguesa” na principal prova do calendário nacional.

“Se houvesse referências portuguesas que nos últimos anos tivessem andado na discussão da Volta… E quando falo de discussão, não falo só da discussão da geral, mas de serem protagonistas todos os dias, andarem ao ataque e estarem sempre a tentar o melhor e a mostrarem-se. O que tem acontecido é isso: não haver portugueses que de forma constante e sucessiva, ano após ano, criem uma certa imagem social que traga mais pessoas à estrada”, explicou.

Rui Sousa, talvez o último grande ídolo popular do pelotão português, retirado desde 2017, considera que “falta alguém que crie esperança de vencer a Volta” junto do público, que continua a preferir ver um dos ‘seus’ a conquistar a corrida. Isso não acontece desde a vitória de Amaro Antunes em 2021 – posteriormente desclassificado por doping, um flagelo que atingiu várias figuras nacionais e que pode ajudar a explicar o afastamento dos adeptos em relação à prova.

O diretor desportivo da Gi Group Holding - Simoldes - UDO, Manuel Correia, deixou um alerta sobre o estado actual da prova: “há uma série de circunstâncias que vão afastando as pessoas”.

Para o antigo ciclista, a Volta a Portugal enfrenta vários desafios. “A qualidade da Volta, o número de ciclistas, as equipas. Se bem que continuo a achar que os portugueses gostam de ver os portugueses. Mas acho que em termos de valorização dos media, e até do produto Volta a Portugal, é preciso fazer alguma coisa”, sublinhou.

Correia apontou ainda “um trabalho não tão bem feito de quem organiza”, deixando implícito que a corrida precisa de uma renovação estrutural para recuperar o prestígio perdido.

Hernâni Brôco, diretor desportivo da Credibom/LA Alumínios/MarcosCar, considera que é urgente mudar o rumo da Volta a Portugal. “Acho que temos de apontar que tem de se fazer alguma coisa diferente, principalmente à federação e à organização. Acho que são eles os impulsionadores da Volta a Portugal. Um porque tem a patente da Volta e o outro porque organiza. Acho que devem se juntar os dois, até porque é um ano de renovação e pensar o que é que se pode fazer melhor”, afirmou.

Para o antigo ciclista, falta sobretudo uma grande referência nacional capaz de arrastar o público. “Por isso, acho que não é pela falta do espetáculo que os ciclistas têm dado”, pontuou.

Brôco defende que a única solução passa por uma maior união entre as entidades responsáveis. Nesse sentido, insiste que o organizador da Volta e a federação, agora presidida por Cândido Barbosa, devem trabalhar lado a lado para “reformular o ciclismo nacional”.