No imaginário coletivo, o ciclismo profissional é movido por emoção, grandes duelos e paixão sem limites. Mas por detrás desse espetáculo, esconde-se uma realidade económica implacável, como revelou de forma crua Stéphane Heulot, diretor executivo da
Lotto, numa entrevista ao portal Wielerflits. A equipa belga, uma das mais antigas do pelotão internacional, vive uma batalha paralela fora das estradas: a luta pela sobrevivência financeira.
"Há uma série de nomes muito bons em cima da mesa, mas nada foi finalizado até ao momento. Estou muito ocupado com os patrocinadores, mas é evidente que os custos estão a aumentar no pelotão devido à inflação", declarou Heulot.
Apesar do desempenho desportivo positivo, que deixa a equipa perto da promoção ao WorldTour, a situação fora das corridas é tudo menos estável. A inflação, a instabilidade económica global e a escassez de patrocinadores dispostos a investir de forma consistente tornam cada negociação mais complexa.
"Também vemos o que está a acontecer no mundo neste momento, certo? Muitas empresas são afetadas por isso. O patrocínio desportivo não é, portanto, a principal prioridade para muitas dessas empresas", afirmou Heulot, destacando como o ciclismo depende de apoios que se tornam cada vez mais difíceis de assegurar.
A Lotto tem feito uma temporada aquém das expectativas, com apenas 3 vitórias, com Arnaud de Lie, Elia Viviani e Jenno Berckmoes
A Lotto é uma das equipas com mais tradição no ciclismo, mas enfrenta um contexto cada vez mais desigual. Equipas como a
UAE Team Emirates - XRG, com orçamentos milionários e múltiplos líderes, alteram o equilíbrio competitivo. Para Heulot, esta concentração de talento não só prejudica a concorrência como também afeta o interesse dos próprios adeptos:
"Vemos uma equipa como a UAE que tem cinco ciclistas capazes de ganhar uma grande volta. Não me parece que essa situação seja interessante para os espectadores. Assim, não há batalha".
A disparidade financeira não se limita ao número de estrelas contratadas. Reflete-se também no acesso a infraestruturas, tecnologia e capacidade de atrair ou manter patrocinadores. Heulot aponta o dedo a uma realidade que se agrava ano após ano:
"É muito difícil lutar com as maiores equipas. Idealmente, queremos acabar com o orçamento médio de uma equipa WorldTour, mas isso não é fácil. Atualmente, ainda nem sequer estamos a meio caminho".
Mais do que negociar com calma, a Lotto vê-se envolvida numa autêntica guerra por apoios. Heulot descreve um cenário em que os patrocinadores mudam de direção ao menor atraso, assediados por outras equipas em busca de sobrevivência.
"Há situações em que estamos a falar com um patrocinador e, de repente, aparecem outras equipas e roubam-no se demorarmos demasiado. Não é um jogo, é uma luta".
Neste contexto, a aposta da Lotto passa por reforçar a sua identidade como equipa formadora. Em vez de competir pelo mercado milionário das grandes estrelas, a equipa foca-se no desenvolvimento interno. E com resultados visíveis: nomes como
Arnaud De Lie, Maxim Van Gils e
Lennert Van Eetvelt provaram que é possível subir ao topo a partir da base.
"Não pretendemos comprar um ciclista que esteja entre os cinco melhores do mundo, mas podemos desenvolver um futuro ciclista dos cinco melhores", disse Heulot, reforçando a filosofia da equipa.
Apesar das dificuldades de 2025, o dirigente recorda as boas temporadas anteriores:
"Este ano não foi um bom exemplo, mas em 2023 e 2024 provámos que, com esta estratégia, podemos estar entre as 10 melhores equipas do mundo".
Com a promoção ao WorldTour praticamente garantida, o cenário desportivo sorri à equipa belga. Mas o futuro financeiro continua incerto. Ainda assim, Heulot prefere manter a confiança:
"Estou otimista. O mais importante neste momento é continuarmos a ter um bom desempenho no ranking do WorldTour. É quase certo que seremos promovidos e, no que diz respeito ao patrocinador, continuo positivo".