Terminaram os Campeonatos do Mundo de
Tadej Pogacar e
Lotte Kopecky. Acabaram as corridas que ditaram quem veste as Camisolas Arco Íris nos próximos doze meses. E que maneira de acabar um domingo solarengo, após uma semana de chuva, com um recital que perdurará nos anais da história do ciclismo por parte de um esloveno, que a 100 kms da meta decide meter uma velocidade abaixo e arrancar para a vitória, deixando os seus adversários na expectativa de que pudesse fracassar e depois decidiriam quem venceria a corrida mais perto da meta.
Divertiram-se os fãs, ganhou a modalidade. Perante tal resiliencia e vontade de querer mais aquela camisola que qualquer um dos seus rivais, Tadej Pogacar não fracassou. Tal como Lotte Kopecky o tinha feito no dia anterior, onde ficou por diversas vezes para trás, mas lá vinha ela, recuperava, fechava os espaços e reentrava na luta. Na entrada para o ultimo quilometro da prova feminina de estrada, quem assistia à corrida tinha a sua aposta feita e perante as fraquezas que Lotte tinha demonstrado nos ultimos quilometros, não seria nela que concerteza apostariam para a vitória. Mas os campeões são feitos de uma fibra diferente e Kopecky agarrou-se ao sonho e gastou todas as energias que lhe sobravam para o alcançar.
Foram sem dúvida os Mundiais de Pogacar e Kopecky. Muitos ficaram felizes com os resultados, eu não!! Não foram os Mundiais de Pogacar e Kopecky. Foi o
Campeonato do Mundo de Muriel Furrier, uma jovem de 18 anos que deveria ter sido socorrida, não deveria ter morrido e hoje deveria estar entre nós. Tenho em mim um misto de sentimentos. Sinto-me triste e tenho raiva, porque não se pode passar o tempo a falar de segurança no ciclismo e continuarmos a assistir de forma impávida a mortes em provas organizadas pela
UCI.
Sempre que recebemos a noticia do falecimento de um ciclista numa prova a UCI é rápida a agir com frases como " A UCI lamenta a perda" ou " É demasiado cedo para discutirmos como poderíamos ter evitado". Desta vez deram mais um passo na sua hipocrisia proibindo todo o pessoal que estava de serviço à corrida de falar, porque estavam a ser efectuadas investigações. A UCI é célere nas suas manifestações de pesar, mas será que também é célere a tomar medidas? Que medidas? Quantas medidas tomou a UCI na ultima década para proteger e olhar pela segurança do ciclismo?
A UCI implementa regras e não as cumpre nem faz cumprir, senão vejamos.
A UCI oficializou este ano um novo protocolo para as altas temperaturas para proteger os ciclistas de correrem com temperaturas de 40 graus, como tinha acontecido na Volta a França de 2023. Na Volta a Espanha de 2024 os ciclistas enfrentaram uma onda de calor duríssima e o protocolo manteve-se na gaveta.
Porque é que as organizações das corridas continuam impunes e não são responsabilizadas pela frequentes falhas de segurança, por não cumprirem as diretrizes da UCI, como recentemente aconteceu na
Volta ao País Basco?
Vingegaard tinha alertado 6 meses antes que aquela descida e aquela curva eram perigosas, mas a organização nunca assumiu as culpas,
atirando-as para os ciclistas.As mesmas diretrizes da UCI dizem que numa corrida não devem existir curvas nos ultimos 200 metros caso seja prevista uma chegada ao sprint. Isso leva a que hajam desvios de trajetórias, mais toques e obviamente mais quedas. Mais uma que foi feita para ficar no papel.
A UCI anda a fazer testes contra o
uso de auriculares nas corridas e as sanções por cartões amarelos. Anunciou-o com pompa e circunstância em julho
numa conferencia de imprensa, mas esses mesmos auriculares salvam vidas, como foi o caso de J
enthe Biermans, que caiu por uma ravina abaixo a descer o Passo del Mortirolo na Volta a Itália deste ano e safou-se porque os seus companheiros de fuga deram informações precisas aos carros, via rádio, do local onde ele tinha caído. Mas a UCI quer acabar com os rádios!!
Richard Plugge
foi destituido do cargo de CEO da organização SafeR, criada para garantir condições de competição mais seguras para os ciclistas, tentando evitar situações perigosas nas corridas. O projecto continua em banho maria, pois na AIGCP há muitos interesses, interesses esses que estão a ser postos à frente da segurança dos ciclistas e do desporto. Quem são os interessados em manter estes jogos políticos em detrimento da segurança e porquê?
E a coerência? Falo deste facto porque tenho visto regras a serem aplicadas de forma muito rigorosa para alguns, enquanto para outros não lhes acontece absolutamente nada. Exemplos disso? Campeonato do Mundo de Zurique 2024, prova de estrada de elites masculinos.
Mathieu van der Poel devia ter sido desqualificado da corrida
após ter ido para um passeio durante a corrida, colocando em risco os espectadores presentes no local. Marlen Reusser fez o mesmo numa corrida e foi imediatamente desclassificada. Em 2023 durante a Volta à Flandres, o polaco Filip Maciejuk, então na Lidl-Trek, foi suspenso por vários meses por um incidente idêntico ao provocado por Lorena Wiebes uma semana antes na Brugge-De Panne, quando foi contra os espectadores, e nada lhe aconteceu. E Tim Merlier no Campeonato da Europa de 2024, quando fez meio fundo atrás dos carros e acabaria por vencer a corrida. Dois pesos, duas medidas?
Mathieu van der Poel deveria ter sido DSQ por uma manobra perigosa. A UCI assobiou para o lado.
Segundo números conhecidos, entre 1971 e 1980 morreram 4 ciclistas durante as corridas em que participavam, 5 entre 1981 e 1990, 6 entre 1991 e 2000. De 2001 a 2010 faleceram 9 ciclistas em competição para na década passada, entre 2011 a 2020 terem falecido 21 ciclistas. Em 2023 e 2024 morreram 4 ciclistas na estrada enquanto competiam. Esta é uma lista claramente incompleta e que não leva em conta as muitas tragédias ocorridas nas competições femininas e nos escalões de formação.
David Lappartient é presidente da UCI desde 2017 e sempre foge das responsabilidades quando algo de grave acontece.
Muriel Furrer tinha 18 anos, caiu durante a sua corrida e esteve algures sem ser assistida no meio da floresta durante mais de uma hora. Se a Muriel tivesse um Transponder debaixo do seu selim teria sido socorrida mais cedo. O Transponder só é usado nos Elites porquê? Mas Lappartient sacudiu de forma nojenta a água do capote e sem nenhuma estatística que o possa sustentar afirmou que " 50% das quedas dos ciclistas se devem ao seu comportamento".
Isto resume a falta de responsabilidade da UCI no que diz respeito à segurança. A UCI, na pessoa do seu presidente, após os trágicos acontecimentos dos ultimos dias deveria pedir demissão. O ciclismo precisa de pessoas que zelem pela segurança dos ciclistas e Lappartient que já tinha demonstrado o ostracismo, chega agora ao ponto do desprezo. O ciclismo precisa de sangue novo, que não se movimente por esferas politicas. Precisamos que os pais dos jovens que vêm os seus filhos abraçar esta modalidade tenham a certeza de que, embora seja sempre um desporto perigoso, têm alguém que zela e cuida deles e da sua segurança.