A Volta a Espanha 2025 parecia destinada a girar em torno de Jonas Vingegaard, o grande favorito desde o arranque da corrida. No entanto, a primeira semana acabou por ser dominada por outro protagonista:
Juan Ayuso. O espanhol da
UAE Team Emirates - XRG viveu dias de autêntica montanha-russa e, em paralelo, a sua transferência para a
Lidl-Trek parece cada vez mais iminente.
Relação desgastada desde a Volta a França 2024
As tensões entre Ayuso e a equipa da Emirates não são novas. Desde a Volta a França de 2024, quando recusou colaborar com Tadej Pogacar, a relação tornou-se cada vez mais frágil. As críticas públicas de
João Almeida e Adam Yates nesse contexto só reforçaram a perceção de que o estatuto do catalão dentro da estrutura estava em causa.
Ainda assim, a direção voltou a confiar nele na Volta a Itália de 2025. Longe de dissipar os atritos, essa oportunidade apenas intensificou os problemas: o abandono precoce da corrida em Itália acentuou as dúvidas sobre o seu compromisso e capacidade de assumir responsabilidades.
Uma Vuelta inesperada e o colapso em Andorra
Ayuso nem sequer estava previsto para alinhar nesta Vuelta, mas a ausência de Pogacar, exausto após uma temporada desgastante, abriu-lhe a porta. A escolha revelou-se arriscada. Chamado à última hora, o jovem espanhol não correspondeu e sofreu um colapso na 6ª etapa, em Andorra, que o atirou irremediavelmente para fora da luta pela classificação geral.
Curiosamente, no dia seguinte chegou a redenção parcial: Ayuso brilhou na 7ª etapa e conquistou a sua primeira vitória de sempre na Vuelta. Contudo, a conquista foi recebida com reservas. Rapidamente surgiram críticas de que teria fingido o cansaço para evitar trabalhar para João Almeida, reforçando a ideia de que pensa apenas em si próprio e não como homem de equipa.
Lidl-Trek no horizonte
O episódio em Andorra e a vitória em Cerler parecem ter acelerado um desfecho que já estava em preparação: a saída de Ayuso rumo à Lidl-Trek. A transferência, que até há pouco tempo era apenas rumor, ganhou força nos bastidores do pelotão e é vista como praticamente consumada.
O futuro de Ayuso poderá assim passar por uma estrutura que aposta claramente em líderes jovens e que lhe daria o estatuto de chefe de fila sem a sombra de Pogacar ou Almeida. Para a UAE, por outro lado, esta Vuelta pode marcar o fim de um ciclo turbulento com um dos talentos mais promissores do ciclismo espanhol.
Quais foram as 5 razões pelas quais as coisas entre Juan Ayuso e a UAE Team Emirates - XRG acabaram tão mal, ao ponto de não haver tréguas após a primeira vitória da sua carreira na Vuelta? Analisamo-las todas a seguir.
Juan Ayuso ganhou uma etapa no Giro
1. O início da tempestade no Tour 2024
Como já foi referido, tudo começou na Volta a França 2024. Mais concretamente, na etapa do Galibier. Nessa subida, Juan Ayuso estava com os favoritos, mas não quis puxar o grupo juntamente com João Almeida e Adam Yates a favor de Tadej Pogacar.
As críticas de Almeida, Yates e até de Mauro Gianetti levavam a crer que a saída de Juan Ayuso aconteceria nesse mesmo ano. Mas Matxín, uma figura protetora dentro da estrutura, veio em defesa do ciclista, consciente do seu talento, e decidiu dar-lhe mais um voto de confiança para a época de 2025.
2. O grande arranque de 2025 por Juan Ayuso
Nas primeiras corridas da época, Juan Ayuso mostrou uma forma incrível. O espanhol conseguiu 3 vitórias consecutivas, conquistando:
- Faun Drôme Clássico 2025
- Trofeo Laigueglia 2025
- Vitória na etapa e na classificação geral do Tirreno-Adriatico 2025
Mais tarde, na Volta à Catalunha, repetiu a vitória na etapa e foi segundo na classificação geral, apenas atrás de Primoz Roglic. Todos estes resultados davam-no como favorito, a par de Roglic, à entrada da 1ª grande volta do ano.
3. O desastre do Giro e a rivalidade com Isaac del Toro
Como esperado, Juan Ayuso começou o Giro com o objetivo da classificação geral. O seu alto nível deu origem a grandes expectativas. De facto, obteve a primeira vitória da sua carreira numa grande volta ao vencer a 7ª etapa e posicionar-se no 2º lugar na geral. Mas 2 quedas fizeram com que o seu nível baixasse significativamente.
Ao mesmo tempo, Isaac del Toro deu um golpe na mesa na etapa do sterratto. Desde o nono dia, o mexicano dos Emirates vestiu a camisola rosa. Infelizmente, a equipa dos Emirados não sabia bem em quem depositar as suas esperanças. Talvez, por ser tão jovem, tivessem medo de apostar tudo em Del Toro.
Juan Ayuso acabou por abandonar na 18ª etapa sem trabalhar um metro que fosse como domestique de Isaac del Toro e o mexicano perdeu a geral na 20ª etapa do Colle delle Finistre, quando os Emirates tinham tido oportunidades de entrar no caminho da vitória nos dias anteriores.
Juan Ayuso e Isaac del Toro não se entenderam no Giro
4. Uma Volta a Espanha de surpresa
A ausência de Juan Ayuso na Volta a França era óbvia. Devido ao que aconteceu no ano anterior e aos seus problemas físicos após o abandono do Giro. Mas com a decisão de Tadej Pogacar de faltar à Vuelta, a UAE decidiu incluir o espanhol como co-líder da equipa ao lado de João Almeida.
Provavelmente, se Almeida não tivesse abandonado a Volta a França devido a queda, a UAE Team Emirates-XRG não teria escolhido Ayuso, tendo em conta o estado de forma do português em 2025. Mas decidiram jogar a classificação geral com duas cartas, sabendo que Jonas Vingegaard era superior.
Como também era de esperar, uma vez que só tinha corrido a Clásica de San Sebastián e o Circuito de Getxo nos últimos 3 meses, Juan Ayuso não estava pronto para lutar pela camisola vermelha e ficou arredado na 6ª etapa, perdendo 12 minutos para os favoritos.
Ele próprio sublinhou que não tinha planeado lutar pela geral: "Tenho-o dito desde o primeiro dia e antes da partida, o meu plano não era fazer a geral, a equipa pediu-me para o fazer e eu tentei por respeito". Mais uma vez, tensão e falta de entendimento entre Juan Ayuso e os Emirates.
Nesta altura, parecia que não havia volta a dar. Porque nem mesmo a sua vitória na etapa, um dia mais tarde, depois de um desempenho tremendo na fuga (atacou a 171 km da meta e pedalou sozinho durante a primeira hora da corrida), dissipou os críticos. Muito pelo contrário. Dizia-se, mais uma vez, que não estava a correr pela equipa, que o dia anterior tinha sido feito de propósito para deixar João Almeida sozinho e lutar pelos seus próprios objetivos, algo que nos parece evidente.
5. O ambicioso projeto da Lidl-Trek
Por isso, quando a Lidl-Trek mostrou interesse em Juan Ayuso, o ciclista espanhol nem sequer pensou nisso. Nem mesmo 24 horas depois da sua vitória na Vuelta, o AS noticiou que Ayuso tinha acelerado a sua partida da Emirates para se juntar à equipa americana.
Se nem mesmo uma vitória numa etapa de uma grande volta consegue aliviar a tensão entre um ciclista e uma equipa, a decisão lógica é sair. Havia também a opção da Movistar Team, mas a equipa espanhola não tem o poder económico e competitivo da Lidl-Trek. Aí, Juan Ayuso poderá tornar-se o ciclista que sempre ambicionou ser.
Com companheiros de equipa como Mads Pedersen, Jonathan Milan, Giulio Ciccone, Mattias Skjelmose, Daan Hoole, Thibau Nys, Mathias Vacek... O sonho de ser um dos líderes de um dos gigantes do World Tour, deixando para trás toda a controvérsia que se arrasta há mais de um ano com a UAE Emirates, não pode ser rejeitado quando se tem o sonho na ponta dos dedos. Resta saber se saberá ser adulto e trabalhar para outros como já trabalharam para ele.
Original: Juan Larra