Analista destaca "sobriedade" de Simon Yates e a pressão que pode ter afetado del Toro: "Há claramente o desejo de imitar o Pogacar"

Ciclismo
quarta-feira, 04 junho 2025 a 10:45
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A vitória magistral de Simon Yates na Volta a Itália continua a alimentar discussões em todo o pelotão internacional. Porém, poucos ofereceram uma análise tão lúcida e incisiva como Cyrille Guimard, antigo diretor desportivo, comentador e uma das figuras mais experientes do ciclismo.
Em declarações ao Cyclism'Actu, Guimard fez um balanço aprofundado de uma edição que começou sob o signo do entusiasmo pela juventude e terminou com um veterano a assinar a corrida mais inteligente da sua carreira.
O que pensa, afinal, o veterano analista?
No centro da análise de Guimard está o contraste entre a efervescência em torno de jovens como Isaac Del Toro e a maturidade tática exibida por Yates e pela Team Visma | Lease a Bike.
Simon Yates no Colle delle Finestre
Simon Yates no Colle delle Finestre
"Quem esteve mais sóbrio durante toda esta Volta a Itália foi Yates", observou Guimard. "Só se mexeu duas vezes em toda a corrida, foi quase esquecido como verdadeiro candidato à vitória".
Essa paciência calculada revelou-se a maior arma de Yates. Enquanto Del Toro e Richard Carapaz se envolviam num duelo tático que rapidamente degenerou num impasse, Yates geriu energias e atacou no momento-chave: no Colle delle Finestre, com Wout van Aert a rematar o trabalho na zona rápida.
Guimard não poupou críticas a Del Toro e Carapaz, apontando-lhes um evidente fracasso estratégico.

Terão Carapaz e Del Toro deitado a corrida a perder?

"Quando Yates atacou, tinha as pernas. E atrás dele, quem fez o esforço? Carapaz ou Del Toro? Logicamente, é o Del Toro que devia fazê-lo, porque envergava a camisola. Se Del Toro recuou, foi porque não tinha pernas para responder".
A hesitação naquele instante foi fatal. Yates não se limitou a lançar um ataque curto; evaporou-se na frente. Quando os perseguidores despertaram para o perigo, Van Aert já entrava na sua melhor hora de esforço e a camisola rosa fugia-lhes irremediavelmente.
O momento do impasse entre del Toro e Carapaz
O momento do impasse entre del Toro e Carapaz
Guimard aponta também para uma pressão excessiva sobre a jovem formação da UAE Team Emirates, em torno de Del Toro e Juan Ayuso.
"O entusiasmo em torno dos jovens era tão grande que talvez tenham sentido dificuldades em lidar com a pressão e com a vertente estratégica," avaliou. "Houve um momento em que Ayuso e Del Toro estavam, digamos, em oposição. A carga emocional e a pressão sobre estes dois corredores... na minha opinião, custou-lhes muito caro".
Del Toro, em particular, poderá ter caído na tentação de imitar Tadej Pogacar, frequentemente apontado como modelo durante a corrida.
"Sim, o Pogacar, pelas suas prestações, mas sobretudo pela forma como vai atrás das vitórias, como se fosse uma obrigação. Há claramente o desejo de o imitar," explicou Guimard. "Cada vez mais vemos corredores a atacar de longe, a assumir riscos. Às vezes resulta... mas se ele perde, na minha opinião, não é por isso".
A advertência é subtil mas importante: o estilo Pogacar é emocionante e eficaz, mas tentar copiá-lo sem possuir a mesma supremacia física é uma armadilha, na qual Del Toro acabou por cair. Afinal, Pogacar é único...
Mesmo assim, o tom de Guimard não é de crítica feroz. Há admiração pela ambição de Del Toro e pela capacidade da Volta a Itália em manter a imprevisibilidade.
"A Volta a Itália é uma corrida onde há muito mais fugas... etapas mais abertas do que aquelas que vemos na Volta a França, que continua um pouco fechada," afirmou. "Ali há movimento, e é interessante de seguir".

Pedersen brilhou na primeira semana da Volta a Itália

No entanto, Guimard levanta também uma questão estrutural sobre as corridas modernas. Referindo-se ao domínio de Mads Pedersen na classificação por pontos, questiona a utilidade real destas "classificações secundárias".
"Estas classificações secundárias... correspondem a algo de relevante no desenrolar da corrida? Tenho a impressão de que talvez devêssemos repensar o modelo destas classificações no futuro".
O brilhantismo de Pedersen nos sprints foi inegável, mas para Guimard este tipo de competição paralela, embora recompense a consistência, pode afastar-se do centro da narrativa da prova. Se Yates, sem ganhar etapas, conquista a geral, e Pedersen, dominando vários dias, tem impacto reduzido na classificação principal, talvez esteja na hora de reavaliar estas estruturas.
E, apesar de tudo, não foi surpreendente ver Pedersen no seu melhor logo na primeira semana?

Wout van Aert, a peça-chave no ataque decisivo

Se houve uma figura que transcendeu a tática e a narrativa foi Wout van Aert. Guimard não poupou elogios ao papel desempenhado pelo belga após o Colle delle Finestre.
"Quem imaginava que Van Aert passaria o Finestre daquela forma? E que ainda teria força para andar tão rápido depois?" questionou. "Mas, olhando depois da corrida terminada, sim, foi um erro deixá-lo ir".
A conjugação do momento de Yates com a potência de Van Aert revelou-se irresistível. Esta manobra trouxe à memória outras edições históricas: "Hinault também venceu uma Volta a Itália assim," recordou Guimard. O método é intemporal: deixar um homem forte ir para a fuga, fazê-lo esperar, e depois dinamitar a corrida por trás".

O olhar já está no Dauphiné... e no Tour

As reflexões finais de Guimard incidem no Critérium du Dauphiné, onde Tadej Pogacar, Jonas Vingegaard e Remco Evenepoel voltarão a cruzar-se pela primeira vez desde a Volta a França de 2024. E, uma vez mais, Guimard prefere a prudência.
"Só porque ganhaste o Dauphiné à frente do Vingegaard... não significa que vás ganhar a Volta a França," alertou. "Estamos a falar de corredores que saem de blocos de preparação. O Vingegaard, nem sabemos se correu este ano".
Não é um aviso de derrotismo, mas uma chamada de atenção. No ciclismo atual, a preparação é muitas vezes mais importante do que o número de dias de competição. Evenepoel é exemplo disso: fraquejou nas subidas do Dauphiné em 2024, mas depois terminou no pódio da Volta a França um mês mais tarde.
"Continuaremos a ter pistas, mas temos de procurá-las à volta, não no meio".
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