ANÁLISE: Cinco edições que mostram a imprevisibilidade da Gent Wevelgem e a tornam uma das corridas mais apreciadas pelos adeptos

Ciclismo
domingo, 30 março 2025 a 11:30
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Realiza-se hoje mais uma edição da Gent Wevelgem, uma das provas mais emblemáticas do calendário de clássicas da primavera. Integrada no WorldTour, esta corrida belga combina o simbolismo histórico da Flandres com a dureza desportiva de um percurso traiçoeiro. Disputada pela primeira vez em 1934, realiza-se tradicionalmente no último domingo de março, precisamente uma semana antes da Volta à Flandres.

Frequentemente apelidada de "clássica dos sprinters" devido ao seu final plano, a Gent Wevelgem tem desmentido essa reputação ao longo dos anos. Condições meteorológicas imprevisíveis, subidas em paralelos e vastos campos expostos ao vento fazem desta uma corrida muito mais complexa — onde a resistência e a tática contam tanto quanto a velocidade.

Uma corrida marcada pelo simbolismo e pela dureza

Um dos elementos que distingue a Gent-Wevelgem é o seu forte contexto histórico. O percurso atravessa os antigos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, passando sob a Porta de Menin, em Ypres, um memorial solene em homenagem aos soldados caídos. Além disso, os ciclistas enfrentam subidas icónicas como o Kemmelberg, com rampas de até 23%, muitas vezes em condições adversas de chuva e vento.

Desde 2012, as corridas masculina e feminina são disputadas no mesmo dia, reforçando o compromisso da organização com a igualdade e o crescimento do ciclismo feminino. A prova assume também um simbolismo especial ao associar-se ao célebre poema “In Flanders Fields”, integrando a herança cultural da região com o espetáculo desportivo.

Cinco edições históricas de Gent Wevelgem

1977 – Hinault mostra-se ao mundo

A edição de 1977 ficou na história como a mais longa de sempre (277 km) e uma das mais duras. Com um traçado que incluía onze subidas, entre elas o Koppenberg e duas passagens pelo Kemmelberg, a corrida transformou-se numa verdadeira batalha de desgaste.

Foi nesse cenário que um jovem Bernard Hinault, então com 22 anos, venceu de forma isolada, surpreendendo o pelotão e deixando clara a sua versatilidade. A vitória não foi apenas uma surpresa; foi uma afirmação de que Hinault estava preparado para dominar tanto nas Grandes Voltas como nas clássicas do norte.

2012 – Lizzie Armitstead inaugura a versão feminina

O ano de 2012 marcou o início da Gent-Wevelgem feminina, e a estreia não podia ter sido mais memorável. Lizzie Armitstead (agora Deignan) lançou um ataque a 40 km da meta e resistiu ao vento e à perseguição para vencer em solitário. O seu esforço foi não só espetacular como simbólico, abrindo caminho para uma campanha que culminaria com a prata nos Jogos Olímpicos de Londres.

A edição inaugural reforçou a importância da corrida no panorama feminino, cimentando o seu lugar no Women's WorldTour a partir de 2016.

2015 (masculina) – Gent-Wevelgem transforma-se num campo de batalha

A prova masculina de 2015 foi marcada por condições meteorológicas extremas, com ventos cruzados violentos a fragmentarem o pelotão desde cedo. O momento mais icónico aconteceu quando Geraint Thomas foi literalmente levantado do chão por uma rajada de vento e projetado para uma vala.

Num cenário quase apocalíptico, apenas 39 ciclistas completaram a prova. O veterano Luca Paolini, então com 38 anos, atacou a 6 km da meta e venceu de forma solitária, naquela que foi a maior vitória numa corrida de um dia da sua carreira.

2015 (feminina) – A audácia de Floortje Mackaij

Na mesma tarde tempestuosa, a corrida feminina teve também a sua heroína improvável. Com apenas 19 anos e numa das primeiras temporadas como profissional, Floortje Mackaij atacou a 3 km da meta e conquistou a vitória em solitário, superando rivais mais experientes e desafiando o próprio clima.

Foi a sua primeira vitória como profissional e permanece até hoje como uma das exibições mais marcantes da história da corrida feminina.

2022 – A vitória que fez história: Biniam Girmay

A edição de 2022 entrou para a história como um marco cultural. O eritreu Biniam Girmay tornou-se o primeiro ciclista africano a vencer uma clássica do WorldTour. Num sprint final contra Christophe Laporte, Jasper Stuyven e Dries Van Gestel, o jovem de 21 anos lançou o sprint a 250 metros da meta e resistiu até ao fim.

Mais do que uma vitória desportiva, foi um momento de afirmação global do ciclismo. Girmay viria a vencer uma etapa na Volta a Itália semanas depois, mas foi em Wevelgem que conquistou o respeito do mundo.

Uma clássica com identidade própria

Gent-Wevelgem não é apenas mais uma prova do calendário das clássicas. É um evento com alma, moldado pela história, condições adversas e imprevisibilidade táctica. Pode terminar ao sprint, mas também já consagrou trepadores, roladores e atacantes solitários. E como vimos ao longo dos anos, é uma corrida capaz de contar histórias únicas — tanto no presente como no passado.

Hoje, a tradição continua. E como sempre na Gent-Wevelgem, tudo pode acontecer.

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