Ciclismo em Portugal, que futuro?

Ciclismo
sábado, 05 outubro 2024 a 19:48
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Após as mais recentes noticias vindas a lume no dia de ontem, vamos olhando para o panorama do ciclismo em Portugal com muita apreensão. Não, não se trata apenas dos casos de anomalias nos passaportes biológicos, dos casos de doping que assolaram uma equipa completa do pelotão português, da cada vez mais árdua tarefa de conseguir arranjar patrocinadores que suportem as equipas ou mesmo da falta de cobertura por parte dos órgãos de comunicação social das provas de ciclismo.

As Organizações

O ciclismo é uma modalidade do povo, que exorta paixões e leva milhares ás estradas. Portugal continua na cauda da Europa em termos organizativos, porque teima em manter os mesmos padrões à décadas. Estamos limitados a um punhado de ex-ciclistas que monopolizam as principais estruturas e organizações de provas cá no Burgo e da forma como estão estabelecidas tão cedo não veremos mudanças. A Volta a Portugal é um caso gritante de tão má que é e não muda. Mantém a mesma formula de 1 prólogo, 1 contrarrelógio e 9 etapas em linha, sendo que dessas 9 etapas pouco ou nada muda.
9 etapas resumidas: Uma chegada à Torre, uma chegada à Senhora da Graça, uma chegada à Guarda, Viseu e Fafe entram sempre no menu... depois só têm de pensar nos restantes dias. A organização é comandada por Joaquim Gomes, ex-vencedor da corrida, que podia e tinha o dever de apresentar novas chegadas, novos percursos, criar expectativas e entusiasmar as equipas e os adeptos da modalidade. Ao invés, padronizou um esquema e só mexe nele se as autarquias pagarem, e pagarem bem, para a caravana por lá passar. Em 2020, ano da pandemia, Gomes não organizou a Volta a Portugal porque, disse ele, custava 1,5 milhões de euros.
Não quis saber dos ciclistas, não quis saber das equipas, não quis saber dos patrocinadores. Se eles tinham dinheiro para pôr comida na mesa ou não, não era problema dele. Se os patrocinadores deixassem de meter dinheiro nas equipas, a culpa não era dele. Delmino Pereira cerrou fileiras e arranjou forma de salvar o ciclismo, organizando a corrida e salvando a modalidade de ainda mais perdas. Mas Joaquim Gomes mantém-se firme na organização da Volta a Portugal. Até quando?
No topo temos a Volta ao Algarve e a Clássica de Figueira, provas que estão no patamar do World Tour e que esperemos possam continuar a proporcionar aos adeptos da modalidade bons dias de ciclismo.

Os Ordenados

Escolher o ciclismo como profissão é um acto de loucura e paixão. Os mais jovens agarram-se à bicicleta na esperança de poderem fazer carreira no desporto que gostam. Mas acabada a formação e entrando no mundo do escalão de Sub-23 tudo muda. Não é preciso ter uma bola de cristal para adivinharmos quantos miúdos dão esse passo e penduram a bicicleta passado uns tempos. Quem tiver pernas e talento pode auspiciar dar o salto para o estrangeiro e tentar a sua oportunidade. Quem tiver pernas e algum talento, ficará por cá e tentará singrar, mesmo que para isso tenha de correr e ao final do mês não receba ordenado. Se conseguir sobreviver e assinar um contrato profissional com uma equipa, talvez tenha ordenado, mas de certeza que não conseguirá pagar a renda de uma casa com ele ao final do mês e terá de viver com os pais.
Mas é preciso ter coragem para enfrentar esse jogo psicológico, pois além de enfrentarem as barreiras financeiras, vêm cada vez mais ciclistas de outras nacionalidades invadirem poucas formações existentes no pelotão, tirando-lhes a oportunidade de mostrar o seu trabalho e de fazerem carreira na modalidade. Muitos penduram a bicicleta.

Comunicação Social

Uma nulidade. Temos o jornal O Jogo que é o unico meio de comunicação social escrito que vai informando a malta, aqui e ali, do que se passa na modalidade, fazendo entrevistas, reportagens e que, acima de tudo, tem no(s) jornalista(s) das suas noticias alguém que percebe do que escreve. Os restantes não vou comentar, de tão fracos que são e pelo facto de terem um prazer mórbido de aparecerem quando existem vitórias ou então quando algo que denigra a modalidade se torna publico. A televisão pública portuguesa é tudo menos pública. Ciclismo é só em Agosto, porque os emigrantes gostam de fazer umas tainadas regadas com cerveja ou vinho e depois passam as tardes a ressacar olhando para a televisão. As rádios, que outrora até acompanhamento in loco de algumas provas faziam, limitam-se ao básico, se porventura não estorvar na programação.
Afonso Eulálio deixou os portugueses a sonhar com a possibilidade de vencer a Volta a Portugal de 2024.
Afonso Eulálio deixou os portugueses a sonhar com a possibilidade de vencer a Volta a Portugal de 2024.

Patrocinadores

São cada vez menos os mecenas e os empresários que gostem da modalidade e decidam investir nela. Arranjar um patrocínio é uma tarefa difícil, mas conseguir um bom patrocínio, só está ao alcance de poucos. As equipas portuguesas de topo, se assim lhes podemos chamar, terão mais ou menos facilidades em se movimentar e conseguir bons apoios. Garantem assim orçamentos elevados para a realidade nacional, que lhes permitem oferecer melhores condições para os atletas e quiçá, participar em algumas provas além fronteiras. Um ciclista anda na estrada o ano inteiro, pedala por todo o Portugal, de norte a sul, de este a oeste, é sem dúvida o melhor meio de publicidade que uma estrutura/empresa pode ter. Então o que é que estará a falhar? A exposição. Simples. Não há televisões, logo não há a visibilidade desejada. Somos um país pequeno, com uma cultura virada para o futebol.

Os Atletas

Quem é português gosta de ver ciclistas portugueses ganhar, brilhar e ter sucesso. Mas temos de ser francos e afirmar que é cada vez mais difícil e raro podermos gritar de alegria por vermos os nossos homens levantarem os braços na linha de meta ou num pódio final. Com o êxodo dos melhores jovens para o estrangeiro, o que é muito bom, a vontade de querer ir para as estradas do nosso país apoiar os nossos é cada vez menor. Vimos alguns homens fortes do nosso pelotão envolvidos em questões de doping ou anomalias nos seus passaportes biológicos como João Rodrigues, José Neves, Johnny Brandão, José Gonçalves, Rui Vinhas, Samuel Caldeira, Ricardo Mestre, Ricardo Vilela, Amaro Antunes, João Benta, Nuno Meireles, Rafael Silva, Frederico Figueiredo e Luis Gomes.
Quando olhamos para estes nomes temos lá homens que estiveram nos mais diversos lugares do pódio da Volta a Portugal, correram em equipas ProConti ou mesmo no World Tour. Uns estão a cumprir suspensão, outros suspensos preventivamente. Mas todos sem excepção deram e dão uma imagem negativa ao ciclismo. São/eram profissionais, estão sujeitos a pressões de ganhar, quer sejam das equipas ou dos patrocinadores, os contratos estão a acabar, têm que pôr comida em cima da mesa e muitas vezes essas pressões têm os efeitos conhecidos.
A cada vez mais fraca qualidade do nosso pelotão leva ao afastamento dos fãs da estrada. Vejam o caso da Volta a Portugal deste ano, onde a falta de publico em muitas etapas era enorme. A televisão conseguia disfarçar a falta do povo, apontando as câmeras para os ângulos certos, mas para quem estava atento ou no terreno, isso era indisfarçável. A Serra da Estrela quase nua, foi a maior prova de todas. Olhando para a lista de nomes de ciclistas portugueses a correrem em equipas nacionais, que nos possam dar a alegria de ganhar uma Volta a Portugal, está agora reduzida a um par de nomes. Vamos ter de ver corredores de segunda linha de equipas estrangeiras a virem ao nosso país regozijarem-se com os troféus que oferecemos. Sim troféus, porque se vierem atrás de dinheiro... mais vale ficarem por casa.
Neste primeiro apanhado falamos sobre estes temas, mas temos mais na manga. Vamos ajudar a que se possa abrir espaço para que se faça uma reflexão, se discuta de forma ordeira o que vai bem e menos bem, partilhar ideias e dar as mãos para que todos possamos sejamos um só e assim darmos o nosso contributo de forma positiva, através de criticas e auto criticas, para que este panorama mude.

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