O experiente ciclista italiano
Alessandro De Marchi, atualmente ao serviço da
Team Jayco AlUla, não escondeu o alívio por já não fazer parte da
Israel - Premier Tech numa altura em que a tensão em torno da guerra em Gaza se faz sentir com intensidade no pelotão internacional. Em declarações ao Observer, o ciclista de 39 anos, que defendeu as cores da formação israelita entre 2021 e 2022, afirmou que hoje não voltaria a assinar por uma equipa com tal associação política.
“Teria sido muito dificil para mim estar lá agora e ficaria numa situação bastante desconfortável”, confessou De Marchi. “Não vou criticar quem quer que lá esteja, porque cada um é livre de decidir, mas neste momento não assinaria um contrato com a Israel - Premier Tech. Não seria capaz de gerir os sentimentos que tenho, para poder estar envolvido numa coisa dessas.”
As palavras do italiano surgem num contexto particularmente sensível. Durante a Volta a França de 2025, registaram-se vários protestos dirigidos à presença da equipa Israel - Premier Tech no evento, incluindo a presença de um manifestante com uma camisola onde se lia “Israel fora do Tour” na 11.ª etapa, bem como outras ações simbólicas durante a 17.ª tirada. A guerra em curso em Gaza tem agudizado reações políticas e multiplicado críticas à associação entre desporto e diplomacia por via de equipas com financiamento estatal ou conotações nacionalistas.
De Marchi explicou que, na altura em que ingressou na equipa israelita, as razões foram sobretudo práticas. “Deram-me a oportunidade de continuar a correr ao mais alto nível, deram-me um bom contrato e um bom salário, e eu estava a olhar para a casa que tinha de construir e para a minha família. Os outros ciclistas são iguais.”
Mas o tempo trouxe novas perspetivas. “Agora estou mais velho e consigo refletir de uma forma que não conseguia há cinco anos atrás, e compreendo que na vida há alturas em que, embora possa ser difícil, é melhor seguirmos as nossas convicções. Neste momento, eu faria as coisas de maneira diferente.”
Apesar disso, o italiano recusa apontar o dedo diretamente à estrutura ou aos colegas. “Naquela época, eu entendia muito pouco sobre Israel”, reconheceu. “As pessoas por detrás da equipa tinham o desejo de mostrar a beleza do país, essa era uma política clara da equipa, mas nunca houve qualquer sentimento contra Gaza ou os palestinianos, nem qualquer referência à ocupação na Cisjordânia. Havia uma propaganda mais leve, digamos assim, em que se projetava a visão de Israel. Sentia-se que era uma sociedade complexa e dividida. Mas também se percebe que não há espaço para falar de Gaza.”
De Marchi termina com um apelo direto ao mundo do ciclismo: “Precisamos de ver uma ação real do nosso organismo dirigente para posicionar o mundo do ciclismo do lado certo e para mostrar consciência do que se passa em Gaza. Temos de mostrar que, enquanto mundo do ciclismo, nos preocupamos com os direitos humanos e as violações do direito internacional.”
Num desporto cada vez mais globalizado e exposto a tensões políticas e humanitárias, o testemunho de De Marchi reabre o debate sobre a neutralidade das equipas, o papel dos patrocinadores e o silêncio institucional perante conflitos que ultrapassam largamente o pelotão.