Debate Campeonato Mundial de Estrada de elites masculinos: Foi a vitória mais impressionante de Tadej Pogacar? As avarias mecânicas comprometeram as chances de Remco Evenepoel conquistar o ouro?

Num dos percursos mais difíceis e exigentes do Campeonato do Mundo dos últimos vinte anos, Kigali provou ser o lugar onde apenas os mais fortes chegaram ao pódio. Faltavam dois nomes: Mathieu van der Poel e Jonas Vingegaard.

Para o dinamarquês pode ter sido uma escolha sensata não participar, mas a decisão de Van der Poel de ir jogar golfe com Michael Phelps deixou-me surpreso. Especialmente porque a medalha de bronze de Healy mostrou que havia reais oportunidades para ele neste percurso.

O esperado duelo que se concretizou foi recheado de histórias e especulações de antigos ciclistas e especialistas. Pogacar explicou mais tarde a sua visão da corrida. O caso de Ayuso permaneceu incerto: alguns apontaram para problemas mecânicos, mas parecia mais que ele simplesmente atingiu o seu limite.

Isaac del Toro sofreu aparentemente de problemas estomacais, embora estranhamente ainda tenha terminado perto. Igualmente confusa era a situação de Remco Evenepoel. O seu abanar de cabeça ao cruzar a linha de chegada com a medalha de prata dizia muito.

A explicação surgiu mais tarde. Evenepoel bateu num buraco, o que fez com que o seu selim descesse, forçando os seus isquiotibiais a trabalhar de maneira diferente e provocando cãibras. A bicicleta de reserva que ele recebeu em seguida, segundo ele, não estava ajustada corretamente: o selim estava nivelado, quando ele normalmente precisa de uma inclinação negativa para evitar dores nas costas. Como resultado, optou por outra troca de bicicleta. Essa troca custou-lhe 42 segundos e aconteceu justamente quando o grupo de perseguição se aproximava de Pogacar.

Pogacar permaneceu imperturbável, beneficiou de estar muito melhor informado durante este Mundial do que no ano anterior. Ele sabia exatamente onde estavam os seus rivais e qual era a diferença entre eles. O seu carro de equipa fez um trabalho exemplar, e o esloveno jogou com a vantagem de um minuto que tinha, mantendo-a e até aumentando-a.

Essa diferença crescente mostrou quem era realmente o mais forte. Pode levar dias até que Evenepoel o aceite por completo. Ainda assim, foi uma pena para a corrida que as circunstâncias se desenrolassem desta forma. Ambos os corredores foram muito superiores ao resto e estavam incríveis no dia. Mas no final, de qualquer forma que se olhe, venceu o mais forte: Tadej Pogacar.

Ele fez isso de novo. Disse que desta vez não atacaria a mais de 100 quilómetros da linha de chegada, mas não conseguiu se conter. Tadej Pogacar continua a somar argumentos corrida após corrida para desafiar Eddy Merckx pelo título de maior ciclista de todos os tempos.

O esloveno formou um trio de sonho com os seus colegas de equipa da UAE, Isaac del Toro e Juan Ayuso, que não conseguiram acompanhá-lo, e disparou sozinho com cerca de 60 quilómetros restantes para a linha de chegada. Ninguém mais o viu até o final da corrida.

Remco Evenepoel teve uma corrida difícil com problemas mecânicos e ficou extremamente frustrado depois da chegada, mas provou ser o segundo corredor mais forte do dia. Ayuso e Del Toro fizeram muito bem em terminar no top 10 após tentarem acompanhar Pogacar.

Tadej Pogacar não pára de bater records e engrandecer o seu legado. Após uma temporada quase perfeita em 2024 que parecia irreplicável, quando parecia que não podia melhorar, ele ainda encontrou uma maneira de o fazer.

Nenhum corredor tinha vencido todos: Volta à Flandres, Liege-Bastogne-Liege e a corrida de estrada do Campeonato do Mundo na mesma temporada, até Pogacar o fazer hoje. Nenhum corredor tem lugar no pódio em todos as cinco monumentos no mesmo ano, mas todos sabemos que essa estatística não vai durar muito, especificamente duas semanas. E ele também pode adicionar os Campeonatos Europeus ao seu livro de recordes…

Todos sabiam que ele era o homem a observar, mas era incerto quando ele faria o seu movimento. O Mont Kigali foi o lugar apontado por alguns como o melhor ponto de partida, mas eu estava hesitante antes da corrida. Após a exibição de 100km do ano passado, eu não acreditava que ele correria o risco de fazê-lo novamente.

Por várias razões, uma delas porque o fator surpresa não estaria presente da mesma forma como no ano passado, em segundo lugar porque o circuito ruandês era extremamente difícil para pensar numa aventura a solo como uma boa ideia e, finalmente, porque ele tinha descartado essa possibilidade alguns dias antes.

E ainda assim, o inesperado aconteceu de novo, pelo segundo ano consecutivo. Tadej Pogacar não quis mais esperar e voou em persecução do seu segundo arco-íris.

Apenas dois homens o seguiram, e ambos pagaram o preço depois. Foi exatamente o mesmo tipo de erro que Ben o'Connor cometeu na Volta a Itália 2024, quando tentou seguir a roda de Tadej na última subida da segunda etapa e acabou totalmente esgotado. "Quando se voa perto demais do sol, ficas queimado", disse o australiano, e o mesmo pode ser aplicado a Ayuso e del Toro.

Eles eram ambiciosos o suficiente para pensar que poderiam seguir o ataque do esloveno, mas isso simplesmente não era possível. Pogacar está numa liga própria, nenhum outro ciclista teria podido fazer isso. Ainda assim, apesar de não ter resultado, vale a pena elogiar a coragem que ambos demonstraram. Poderia ter sido um pódio completo da UAE Team Emirates - XRG.

Mas Ayuso primeiro e del Toro depois perceberam que as suas pernas estavam a queimar demasiado cedo, e tiveram que aliviar o ritmo e esperar pelos perseguidores. De volta ao pelotão, a tática era notavelmente ausente.

Depois de Pogacar se distanciar, os restantes corredores pareciam galinhas sem cabeça. Austrália e Itália ainda tinham quatro elementos cada, a Bélgica tinha pelo menos três, França também tinha três... Porque é que não formaram uma aliança óbvia para perseguir Pogacar?

Todos eles sabiam o que aconteceu no ano passado e como a falta de organização no pelotão permitiu que Pogacar sobrevivesse na frente por 100km e vencesse. Eles não deveriam ter deixado a mesma situação acontecer novamente, isso é embaraçoso.

Mesmo sendo o melhor ciclista do mundo na frente, ele estava em grande desvantagem contra um pelotão organizado a persegui-lo por 100km. Havia suficientes gregários no pelotão para simplesmente revezar-se e quer fechar ou reduzir o fosso para o esloveno, mas eles precisavam de algum tipo de colaboração e organização para isso e hoje não havia nada disso.

Em vez disso, estavam simplesmente a atacar uns aos outros, parando e depois atacando novamente. Foi um déjà vu do ano passado, e o resultado foi exatamente o mesmo, para surpresa de ninguém. E foi uma pena porque era claro que havia pelo menos um corredor que poderia ter tido algumas chances, chamado Remco Evenepoel.

O belga não teve sorte a seu favor, tendo que trocar de bicicleta duas vezes, fazendo uma pequena birra pelo meio. Apesar desses incidentes e após perseguir e fechar uma diferença de 45 segundos entre ele e o pelotão quase sozinho, ainda tinha pernas para puxar por muitos quilómetros e deixar todos para trás.

Ele tentou jogar de forma inteligente no Mont Kigali, recusando-se a seguir o ritmo infernal de Pogacar, o que foi a decisão correta na minha opinião. No entanto, a má sorte e as táticas horríveis das principais nações eliminaram as suas chances de conseguir o ouro e o que teria sido uma dupla medalha de ouro histórica tanto no contrarrelógio como na corrida de estrada.

O bronze foi para Ben Healy, que demonstrou a sua resiliência e resistência. Ele foi o melhor entre os humanos e obteve um dos seus maiores resultados depois de ultrapassar Skjelmose, que também fez uma grande corrida.

Por fim, gostaria de destacar a performance de Toms Skujins. O letão teve pouca ajuda dos seus companheiros de equipa, que já estavam fora de disputa muito cedo na corrida, e ainda assim conseguiu terminar em quinto lugar. Algo absolutamente notável que na verdade não é tão surpreendente, pois ele já havia ficado em quarto lugar no ano anterior e em oitavo em 2023.