Entre promessas e polémicas, o primeiro ano de Cândido Barbosa no topo da FPC

Ciclismo
sábado, 27 dezembro 2025 a 10:46
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Rescisão com a Podium, providência cautelar e investigação judicial marcaram o primeiro ano da atual liderança federativa.
O primeiro ano de Cândido Barbosa na presidência da Federação Portuguesa de Ciclismo tem sido tudo menos uma “época de adaptação” discreta. A promessa de transparência e de “conhecimento aprofundado da pasta” com que o próprio enquadrou 2025 no Plano de Atividades e Orçamento transformou-se, na prática, numa sucessão de frentes abertas, algumas delas com potencial para deixar marcas duradouras na credibilidade institucional.

A rutura com a Podium, o maior incêndio público

O caso mais ruidoso é, sem surpresa, o divórcio com a Podium Events, histórica organizadora da Volta a Portugal, e também da Volta ao Alentejo e da Volta a Portugal do Futuro. A 10 de novembro de 2025, a FPC anunciou a cessação “com efeitos imediatos” do contrato de concessão, invocando incumprimento e obrigações de pagamento, antecipando o fim da relação contratual.
A Podium respondeu acusando a Federação de “falta de decoro e lealdade”, afirmando ter sabido do corte através de contactos da FPC com patrocinadores, e rejeitando a narrativa de dívida tal como lhe era imputada.
O que começou como uma disputa sobre incumprimentos e contas rapidamente escalou para um problema de calendário e de soberania do ciclismo português. A federação veio admitir constrangimentos de tesouraria ao ponto de ter recorrido à banca para assegurar a gestão corrente, numa explicação que, mesmo se justificada no contexto do conflito, expõe fragilidades de planeamento e dependência de um parceiro externo para a estabilidade financeira.
E, como se não bastasse a guerra de comunicados, o litígio entrou na via judicial: a 10 de dezembro de 2025, a Podium anunciou a interposição de uma providência cautelar para travar a decisão da FPC.
Do ponto de vista político e reputacional, aqui há três perguntas que ficam por responder com a clareza que uma federação exige:
  1. que auditoria interna sustenta, de forma publicamente verificável, a tese do incumprimento e a proporcionalidade de uma rescisão unilateral,
  2. que plano de contingência existia para proteger as provas e os patrocinadores caso a disputa fosse para tribunal, como aconteceu,
  3. porque razão a federação chegou a um ponto em que a prova bandeira do país fica presa numa batalha jurídica em plena preparação da época seguinte.

Da gestão desportiva ao ruído institucional

O conflito com a Podium não é apenas um “problema de fornecedor”. A própria discussão pública foi contaminada por críticas sobre o desenho desportivo da Volta, nomeadamente em torno do número de participantes, com Barbosa a defender que não é aceitável uma partida limitada, e a admitir que não teme uma “batalha jurídica”.
Ao assumir a organização da Volta a Portugal como solução transitória, a FPC tenta estancar a hemorragia, mas assume também um risco operacional pesado: uma federação que regula e supervisiona passa, ao mesmo tempo, a ser organizadora, com tudo o que isso implica em conflitos de papéis, escrutínio e exigência de transparência.
Candido Barbosa está a ser investigado por alegado conflito de interesses @Foto: FPC
Candido Barbosa está a ser investigado por alegado conflito de interesses @Foto: FPC

A nuvem mais grave: investigação por alegado conflito de interesses

Se o caso Podium é o maior incêndio público, a frente potencialmente mais séria é outra. A 19 de dezembro de 2025, foi noticiado que Cândido Barbosa está a ser investigado pelo Ministério Público na sequência de denúncias relacionadas com uma alegada venda fictícia de empresa e suspeitas de conflito de interesses, envolvendo a contratação de uma empresa de que terá sido proprietário para prestar serviços à federação. A Procuradoria-Geral da República confirmou a existência de inquérito, segundo notícias que citam o Expresso.
Mesmo com a presunção de inocência intacta, este tipo de processo tem um efeito imediato: fragiliza a autoridade moral de qualquer discurso sobre “rigor”, “transparência” e “reabilitação” institucional. E obriga a FPC a um nível de prestação de contas superior ao habitual, sob pena de deixar o debate entregue a ruído e insinuações.

Clima interno: alegações de assédio e queixas de “decisões abruptas”

O primeiro ano da presidência também tem sido acompanhado por relatos de conflito interno. Há acusações de assédio laboral por parte de um ex-assessor de imprensa, que descreveu um ambiente de decisões abruptas e rutura com o passado, com Barbosa a rejeitar categoricamente essas práticas, segundo o mesmo relato.
Aqui, o problema não é apenas jurídico, é cultural: uma federação vive de confiança, de capital humano e de redes, e quando surgem denúncias de ambiente tóxico ou de governação personalista, a instituição começa a perder competitividade onde mais precisa de ganhar: na capacidade de atrair parceiros, eventos, talento e credibilidade junto de clubes, equipas e patrocinadores.

O padrão que se desenha e o custo para a Federação

Somando as peças, fica a sensação de um mandato que trocou a normalidade institucional por uma lógica de choque permanente: uma rescisão unilateral que ameaça arrastar as principais provas para tribunal, dificuldades de tesouraria assumidas publicamente, e um inquérito do Ministério Público com suspeitas de conflito de interesses.
A questão já não é apenas “quem tem razão” em cada dossier. É perceber se a FPC está a governar com padrões de boa administração: processos documentados, decisões proporcionais, comunicação transparente, e mecanismos de controlo internos que resistam ao teste do escrutínio público.

O que uma federação deve fazer quando está no centro do ciclone

Se a FPC quiser recuperar terreno, há medidas de baixo custo e alto impacto que não dependem de slogans:
  • publicar um relatório cronológico, factual e documentado sobre o caso Podium, com fundamentos contratuais, valores em disputa e plano para 2026,
  • separar, com regras claras, as funções de organizador e regulador, enquanto durar a solução transitória,
  • reforçar políticas de conflito de interesses e contratação, com auditoria externa e regras de transparência, sobretudo à luz das notícias sobre investigação, 
  • tratar o clima laboral como tema de governação, não como guerra pessoal, garantindo canais formais e independentes para queixas e apuramento de factos. 
Porque o dano maior, no fim, não é perder um braço de ferro jurídico ou ganhar uma providência cautelar. É deixar a modalidade refém de uma federação que passa mais tempo a explicar crises do que a construir futuro.

O Livro

Paralelamente a estas tensões de mandato, foi lançado pela própria federação um livro comemorativo dos 125 anos da FPC, prometido como um instrumento de preservação da memória da modalidade. O resultado foi justamente o oposto. A obra está recheada de erros factuais, imprecisões e afirmações que colidem com a realidade histórica do ciclismo nacional, incluindo dados incorrectos sobre resultados internacionais, interpretações distorcidas de factos significativos e omissões de figuras e ciclos desportivos fundamentais. A falta de rigor tornou o livro menos um tributo histórico e mais um compêndio de equívocos, cujo impacto no património cultural da modalidade será difícil de reparar sem uma revisão profunda.
O que se esperaria de um organismo que aspira à excelência era uma abordagem cuidada, transparente e criteriosa à sua própria história. Em vez disso, a publicação caiu no extremo oposto: uma sucessão de lapsos que alimentam dúvidas sobre os critérios editoriais e a própria visão institucional da federação.
Foto: Miguel Morgado | MadreMedia
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