Claudio Chiappucci, italiano e lenda do ciclismo mundial, aceitou gentilmente conversar um pouco com o CiclismoAtual sobre a sua carreira e a sua visão do ciclismo atual. O transalpino, grande rival de Miguel Induráin no início dos anos 90 na
Volta a França e na Volta a Itália, está hoje muito presente nos media italianos e tem uma visão muito clara do ciclismo que viveu nos anos oitenta e noventa em comparação com a atualidade.
"El Diablo" venceu 3 etapas e 2 camisolas de montanha na Volta a França, além de ter ficado em segundo lugar em 90 e 92. No Giro, foi também duas vezes segundo atrás de
Miguel Indurain (91 e 92) e ganhou 3 camisolas de montanha. Foi, sem dúvida, prejudicado pelo elevado número de quilómetros em contra-relógio nas grandes voltas do seu tempo. Ganhou também a Milan-Sanremo em 91 num ataque muito distante, talvez a sua vitória mais proeminente de sempre.
Na entrevista, fala de Miguel Indurain, da forma como os longos contra-relógios favoreciam o ciclista navarro e da grande rivalidade que teve com ele e com o seu grande rival Gianni Bugno. É claro que as comparações são odiosas e acredita que o que viveram no início dos anos 90 não tem nada a ver com o que
Tadej Pogacar e Jonas Vingegaard estão a viver hoje. Analisa também as hipóteses do esloveno no próximo Milan-Sanremo.
Fala da sua mítica fuga em Sestrieres na Volta a França de 1992 de mais de 200 quilómetros ou da sua incrível Sanremo atacando de longe em Turchino. Critica os percursos de hoje e a falta de corridas épicas devido ao controlo ao pormenor de tudo o que acontece no desporto. Eis o que nos disse no CiclismoAtual em colaboração com o
El Contraánalisis podcast:
INÍCIO DO CICLISMO NA SUA VIDA
"O meu pai era o culpado, ele gostava da bicicleta, quando eu tinha 14 anos deu-me uma bicicleta e graças a ele comecei o caminho que mais tarde vimos".
PRIMEIROS ANOS COMO PROFISSIONAL.
"Comecei em 85 com a Carrera e com eles fiz todo o percurso, uma década, até ao fim. Era uma boa equipa, muito bem organizada. Gostei porque tinha um programa como eu gostava, falava sempre com o diretor e podíamos sempre preparar corridas também de inverno, de ciclocrosse, tinha liberdade de decisão. Tive muitas ofertas de outras equipas. Estive muito perto de assinar com a Polti e a Festina, antes do problema (caso Festina). A Banesto não me telefonou. Isso era impossível", brinca. "Tinha muito boas relações com a Banesto (atual Movistar Team), com o Miguel [Induráin] mas éramos rivais, algo que era muito bom para o ciclismo, que o valoriza, o público adora as rivalidades".
Entrevista com Claudio Chiappucci. CiclismoAlDia e El Contraanálisis
RIVALIDADE POGACAR VS. VINGEGAARD
"É uma rivalidade diferente da minha com Induráin ou Gianni Bugno. Tivemos uma rivalidade durante toda a época, não houve apenas momentos... Nas clássicas, nas grandes voltas, nos Campeonatos do Mundo... Nesses momentos éramos os 3 rivais. Neste momento a rivalidade é mais fraca, não estão todos a correr os mesmos programas. A rivalidade é apenas no Tour. Tivemos quase sempre o mesmo programa. Começámos no Giro, no Tour, nos Campeonatos do Mundo, nas clássicas. A época de rivalidade é mais longa. Ser rival de 3 é mais complicado do que de 2. Eu competia com o Miguel, com o Bugno, eles também competiam uns com os outros, era uma guerra de rivalidades".
Companheiros de equipa recordados com carinho
"Tive boas relações com o Stephen Roche quando ele era o líder e eu era um jovem ciclista que estava a chegar e depois foi ao contrário, ele era o meu colega de equipa que me ajudou muito e eu era o líder. Foi um grande momento, passar de um gregário do líder para ter o líder como gregário. Foi natural. Eu tinha uma boa relação com ele. Subir montanhas, a experiência que ele tinha, também foi muito importante para mim".
VITÓRIA EM SESTRIERS NO TOUR DEPOIS DE UMA FUGA DE 200 KM, E A VITÓRIA EM SANREMO. COMO GERIR ESTES CONQUISTAS?
"Na Milan-Sanremo eu estava pronto. Falámos que havia uma oportunidade de descer o Turchino na liderança, estava a chover, era mais fácil atacar e abrir distâncias. Depois, tive a sorte de haver ciclistas importantes que trabalharam nessa fuga. O meu colega de equipa ajudou-me muito".
"Sestrieres (mítica etapa da Volta a França de 1992 em que atacou a 200 km da meta) foi outra história. Estava no programa da equipa ganhar, mas não assim. A preparação foi diferente. O ataque deveria ter sido mais tarde. Eu estava num grupo ligeiramente à frente do pelotão. Como havia uma cadeia de subidas, tinha outro colega de equipa à minha frente e tentei ver como estava a situação. Saiu por acaso, não porque eu tivesse tentado atacar de longe. Etapas como esta são históricas, surgem naturalmente, não são premeditadas.
A melhor vitória da carreira de Chiappucci, em Sestrieres
CRÍTICA DAS GRANDES VOLTAS
"Venho de um tipo de ciclismo diferente. Como ciclista, gostava das etapas longas, pessoalmente sentia-me melhor, com mais subidas, com mais quilómetros, onde a diferença é mais notória. Também havia provas longas que não existem atualmente. Gostaria de ver etapas longas, pelo menos uma assim, uma verdadeira rainha".
INDURÁN NO TEMPO
"O Miguel era o melhor no contra-relógio. Ganhou muito em cada contra-relógio, tirou-nos muito tempo. Depois pensei em como poderia recuperar esses tempos e só pensei em atacar de longe. Para mim, não era apenas importante ganhar etapas, mas também ganhar uma grande volta. Não é fácil atacar à distância, mas era a única forma de o fazer.
Dominância da Indurain na VOLTA A FRANÇA
"O Miguel era um ciclista que nunca se enervava, era muito regular, muito equilibrado, sempre com uma equipa perfeita ao seu lado, que trabalhava muito bem e depois havia as etapas de contra-relógio. Isso penalizava-me Fisicamente, nunca mentalmente, estava sempre a pensar em como o vencer. Estava a olhar para ele para tentar adivinhar como é que ele estava a fazer para o atacar ou não".
POGACAR NA MILAN-SAN REMO
"Estão a falar de extraterrestres, de fazer a Cipressa a uma média exagerada, mas falam disso como se fosse fácil fazê-lo, vamos ver se é possível. Toda a gente sabe o que eles vão fazer. Toda a gente sabe. Já sabem. Veremos o que vai acontecer
"Não é difícil para ciclistas de corridas de um dia como Mathieu van der Poel, não é como subir uma montanha, são pequenas colinas que eles conseguem fazer."
Lutas incríveis com Miguel Induráin na Volta a França no início dos anos 90.
NUTRIÇÃO NO CICLISMO DOS ANOS 90 VS O CICLISMO DE HOJE
"Nunca tive um nutricionista, era uma figura que não existia. Fazia mais corridas do que se faz atualmente. Tinha entre 90 e 110 dias de corrida por ano. Quando se corre muito, é preciso comer, não é preciso fazer dieta. Dieta normal: massa, carne, o que toda a gente sabe. Não é como agora. Agora são mais magros. Fazem menos corridas, mas estão mais magros. E isso vai continuar a mudar.
MUDANÇAS NO CICLISMO
"Estamos numa era completamente diferente, a tecnologia mudou, as corridas, a estratégia. Os ciclistas são diferentes. Quando um ciclista como Pogacar ataca, ele abre espaço. Toda a gente sabe isso, não é uma surpresa. Atualmente, um ciclista com as características Miguel, vejo-o com dificuldade. Um enorme contrarrelogista que faz bem as subidas, não estou a ver. Hoje os contra-relógios são curtos, no tempo do Miguel eram mais do dobro, 70 quilómetros. Gostava de ver os ciclistas de hoje a fazer contra-relógios de 70 km ou o Miguel a fazer contra-relógios de 30 km".