Aos 28 anos,
Jonas Abrahamsen é hoje uma das figuras mais carismáticas e reconhecíveis do pelotão internacional. O norueguês da
Uno-X Mobility tornou-se sinónimo de ataques destemidos, fugas e uma presença constante nas Clássicas do Norte e na
Volta a França. Mas o seu percurso até ao topo do ciclismo profissional está longe de ter sido convencional.
Em entrevista à
WielerRevue, Abrahamsen recordou os anos em que equilibrava o trabalho como eletricista com o sonho de se tornar ciclista. “Trabalhava sete horas e meia por dia”, contou. “Levantava-me às seis da manhã, pedalava vinte minutos até à empresa e trabalhava das sete às três da tarde.”
Mas o dia não acabava aí. “Voltava para casa de bicicleta, comia qualquer coisa e treinava das quatro até às sete ou oito da noite. Depois jantava e ia para a cama às nove. Fiz isso durante dois anos e meio. Quase não via amigos nem a namorada, nem pensar. Era descanso, treino e trabalho.”
O ritmo tornou-se insustentável. “Como júnior, era bastante bom, mas depois deixei de evoluir. Estava sempre cansado, treinava demasiado e comia muito pouco. Não pensei em desistir, mas todos os anos tinha de mandar e-mails às equipas a perguntar se havia lugar para mim.”
A sobrecarga acabou por forçá-lo a parar e repensar tudo. “Percebi que a minha carreira estava a ir na direção errada. Aprendi que é preciso ouvir o nosso corpo. Não se pode trabalhar uma semana inteira, comer pouco e treinar a fundo. Isso não é sustentável.”
Jonas Abrahamsen bate Mauro Schmid ao sprint para vencer a 11ª etapa da Volta a França 2025
A aposta da Uno-X e a transformação
Em 2017, Abrahamsen decidiu deixar o emprego e juntou-se ao recém-criado projeto Uno-X. “A curva de desempenho subiu logo. A equipa acreditou em mim desde o primeiro dia e nunca me deixou para trás, nem durante a transição para o World Tour.”
Nessa altura, Abrahamsen era visto como puncheur trepador, obcecado com o peso. “Queria ser o mais leve possível”, admite. Mas o ponto de viragem estava próximo. O norueguês percebeu que o seu talento natural residia noutro tipo de esforço - nas longas fugas e nas provas planas de alta intensidade.
Passou mais de um ano a ganhar massa muscular e potência, transformando-se num dos motores mais poderosos do pelotão. “Todos os anos ganhava um pouco mais de músculo. Foi assim que consegui vencer uma etapa da Volta a França.”
O próximo sonho
A vitória na 11ª etapa da Volta a França de 2025, ao sprint frente a Mauro Schmid, coroou uma das histórias de resiliência mais inspiradoras do ciclismo recente. “Foi um sonho de infância concretizado”, confessou.
Agora, os objetivos passam por outro terreno: os empedrados e as Clássicas. “O próximo sonho é ganhar a Paris-Roubaix ou a Volta à Flandres. Um pódio seria fantástico, mas claro que o sonho é vencer. Van der Poel e Pogacar são incrivelmente fortes, mas eu posso ter um dia bom e eles um mau. Nunca se sabe no ciclismo.”
De electricista às estradas empedradas do norte, Abrahamsen tornou-se um exemplo de perseverança, coragem e reinvenção. Um ciclista que literalmente construiu a sua carreira com as próprias mãos e agora sonha deixar a sua marca nas estradas mais míticas do mundo.