Entre 2018 e 2019,
Mauricio Moreira representou a
Caja Rural - Seguros RGA, uma das equipas mais consistentes do pelotão profissional espanhol. Foram tempos de aprendizagem e sacrifício para o ciclista uruguaio, então com pouco mais de vinte anos, que se viu longe da família e mergulhado num ambiente de exigência máxima. A estrutura da Caja Rural abriu-lhe portas no ciclismo europeu, mas também revelou o preço da ambição: o esgotamento mental.
“Quando vim para a Caja Rural custou-me muito. Estava longe da família. O que mais me custou foi aprender a conjugar o ciclismo e a vida. Só neste último ano, por assim dizer, é que aprendi que podes ser 100% profissional em cima da bicicleta e também desfrutar da vida. Não se trata só de 'bicicleta, bicicleta, bicicleta', como podemos melhorar aqui ou ali, porque começas a entrar num looping que é difícil de gerir. Podes gerir um ano, dois, três, quatro, mas a partir daí torna-se insustentável. Foram anos em que a cabeça só estava na bicicleta”,
relembrou em conversa com o Cycling District.O ano de 2020, marcado pela pandemia, foi para muitos um período de pausa. Para Moreira, tornou-se um ponto de viragem. A passagem pela formação galega Vigo-Rías Baixas devolveu-lhe o prazer de competir. Sem a pressão dos grandes calendários, reencontrou a leveza e a motivação que julgava perdidas.
“Em 2019, quando saí da Caja Rural, já estava completamente saturado. Em 2020 desci de categoria, fui competir para o Rias Bajas, uma equipa a quem até hoje estou 100% agradecido, porque foi o ano da pandemia, mas mesmo assim recebi todo o apoio da estrutura e principalmente do director desportivo, o Marco Serrano, que foi uma pessoa que me ensinou outra vez a desfrutar da bicicleta, a fazer aquilo que sabia com tranquilidade. Acho que foi esse ano que me levou a enfrentar o ano de 2021 de uma forma descontraída. Eu não ia para as corridas a pensar em ganhar. Fazia o meu trabalho de casa e ia para as corridas e fazia o que a equipa mandava. Em cada competição tínhamos o nosso plano e nas corridas era 'se o resultado chegar, chegou, se não chegar será para a próxima'. Eu acho que foi o melhor.”
Naquele verão de 2021, já com as cores da
Efapel, Mauricio Moreira era um dos nomes em destaque. Entrou na 10.ª e última etapa, o contrarrelógio em Viseu, a 40 segundos do líder
Amaro Antunes da W52-FC Porto. O percurso, praticamente plano, favorecia as suas características. Tudo apontava para uma luta equilibrada, mas o destino guardava um golpe amargo.
“Não, sinceramente não (ganhar ed.). Eu sei do meu valor como contrarrelogista. Eu sempre fui um contrarrelogista que se defendeu bem na montanha. Sabia que tinha uma grande vantagem perante o Amaro, o percurso era favorável para mim porque não tinha grandes subidas, era mais plano, com topos que se faziam em grande potência. Por isso eu sabia que ia fazer um bom crono. Nunca na vida disse, eu consigo tirar 40 segundos, pelo contrário, nunca acreditei nisso. Se bem que o grupo de pessoas que estava ao meu lado acreditava. Eu pessoalmente nunca acreditei.”
“Saí para a estrada a fundo, a dar o meu melhor. O meu pensamento era, 'olha, é a última etapa e isto acaba, são 10 dias a andar aqui a fundo, são mais dez minutos e acabou'. Sinceramente esse era o meu pensamento nessa altura. Mas acho que foi o que jogou um bocado contra mim. É à morte, carrega por aí fora até partir o motor, tirou-me o foco.”
Mauricio Moreira vestiu as cores da formação de Águeda durante 4 anos
O foco perdeu-se por instantes. E bastou uma curva para mudar tudo.
“Basicamente se formos rever esse crono, ele tinha duas curvas. Era saída da Nacional, 200 metros, curva a 90 graus outra vez. Eu tinha feito o percurso antes. Só que naquele momento estava a ver os ciclistas à minha frente e isso desperta aquele instinto de predador. Eu via-os e dizia, 'bora, anda mais que eles estão ali à frente'. Foi todo um conjunto de situações que jogou a favor de ter aquele azar, se bem que o azar é incontrolável. Acho que dei importância ao foco, à concentração e só pensava em carregar nos crenques e esqueci-me. Basicamente esqueci-me de uma curva. Quem vê o vídeo diz, 'só um maluco entra assim numa curva a 90 graus'.”
A queda foi violenta. A bicicleta seguiu para um lado, ele para o outro. As imagens correram o país. E, com elas, a sensação de que ali se tinha perdido uma Volta.
“Da queda para a frente a cabeça não mudou. Fiquei um bocado tocado da queda. Dá para ver no vídeo que a bicicleta vai para um lado e eu vou para o outro. Mas eu não estava a pensar no tempo, queria retomar outra vez aquele ritmo bom que trazia, mas já não era o mesmo. Conseguia carregar a fundo, mas aquela raiva, aquela força que trazia, já não era a mesma. O foco no crono já não era o mesmo.”
Mesmo assim, Moreira lutou até à meta, com o corpo dorido e a alma a tentar acreditar.
“Quando eu passei pela meta pensei, 'olha, partimos a cada dois minutos, tenho quarenta segundos portanto são dois minutos e quarenta. Quando acabar vou parar o Garmin, vou ver o tempo no Garmin e vou controlar dois minutos'. Faço um reset no Garmin (para contar o tempo para o Amaro). Se passarem dois minutos e quarenta, se calhar posso ganhar. E foi o que aconteceu. Passaram dois minutos e o Amaro não aparecia na curva final. Dois minutos e um bocado e ele não aparece. Até comecei a ter aquela euforia interior. Mas depois ele apareceu e eu disse 'pronto, acabou, vou fazer segundo'.”
“Mas fazendo um resumo daquela
Volta a Portugal, deixou-me uma aprendizagem enorme, que o ciclismo não se trata de carregar a fundo nos crenques, que temos que estar mais conscientes um bocado. A aprendizagem que tirei daqueles onze dias de competição vão-me servir para o resto da vida tanto no ciclismo como fora dele, por isso não me arrependo de nada.”
Hoje, olhando para trás, Mauricio Moreira fala da queda com serenidade. Aquele erro custou-lhe o título, mas deu-lhe algo mais valioso: uma nova forma de entender o ciclismo. O uruguaio aprendeu que a força bruta nem sempre vence, que o equilíbrio entre mente e corpo é a verdadeira meta. Um ensinamento que, um ano mais tarde, o conduziu à consagração quando, finalmente, levantou os braços como vencedor da Volta a Portugal.