OPINIÃO - Estará Mathieu van der Poel preparado para ser Campeão do Mundo de BTT?

Ciclismo
terça-feira, 27 maio 2025 a 9:15
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Mathieu van der Poel não falha em silêncio. O seu brilhantismo costuma ser ofuscante, o seu domínio frequentemente avassalador. Mas no domingo, em Nové Město, o regresso do neerlandês ao BTT não terminou com a camisola arco-íris no horizonte. Terminou, sim, com uma fratura no escafoide e uma chamada de atenção dura e clara: não se pode ganhar tudo.
O acidente, na verdade dois, excluiu-o do estágio de altitude que tinha previsto e lançou dúvidas sobre o seu programa de verão. Apesar do otimismo cauteloso por parte da Alpecin-Deceuninck quanto à sua presença na Volta a França, a participação no Critério do Dauphiné está em risco. A questão mais importante, contudo, não se prende com a próxima semana ou sequer com o próximo mês. Prende-se com o que Van der Poel quer realmente do último capítulo da sua carreira.
Está agora com 30 anos. No ciclocrosse, é já o rei absoluto, tanto em números como em estilo. Conquistou este ano o seu sétimo título mundial, e salvo lesão ou cataclismo, dificilmente escapará ao oitavo em 2026. Venceu 169 das 228 corridas que disputou na disciplina. Está, literalmente, noutra liga.
Mas o BTT não é ciclocrosse. Desde 2016, Van der Poel participou em 49 provas e venceu 19. Um registo notável, mas longe da sua dominância habitual. Neste terreno, não há garantias. O nível é feroz, as margens são reduzidas, e não se pode entrar e sair do calendário e esperar vencer, como faz no ciclocrosse.
O regresso de Van der Poel ao BTT não correu da melhor maneira
O regresso de Van der Poel ao BTT não correu da melhor maneira
Perseguir a camisola arco-íris do BTT, a única que falta na sua coleção pessoal, não é um capricho secundário. É um compromisso total. Exige provas de preparação, blocos específicos de treino e a mesma precisão que normalmente reserva para os Monumentos. Nada disto encaixa facilmente num calendário de estrada repleto de Clássicas, preparação para o Tour e obrigações mediáticas associadas ao estatuto de superestrela. Com esta nova lesão a comprometer a sua preparação, a aposta tornou-se ainda mais arriscada.
O desejo de Van der Poel de vencer esta camisola é compreensível. Ele próprio o disse. É o título que mais deseja. Um arco-íris na terra, a condizer com os da lama e do alcatrão. Mas persegui-lo significa abdicar de outras conquistas, talvez até das vitórias na Volta a França, que ainda lhe escapam.
Apesar de todo o seu poder nos Monumentos, Van der Poel soma apenas uma vitória em etapas na Volta a França. Uma. Este é o mesmo ciclista que conquistou duas vezes a Milan-Sanremo, três vezes a Volta à Flandres, três vezes a Paris-Roubaix e que reinou no gravel e no ciclocrosse. Um talento histórico, preso a uma única vitória na maior corrida do mundo. Um homem com este talento merece mais.
Na Volta, o seu papel tem sido muitas vezes subordinado a Jasper Philipsen. Van der Poel é o maestro que guia o sprinter até à linha, mas raramente o protagonista. Fê-lo com maestria, mas não é a narrativa que se espera de um ciclista com a sua estatura.
Wout van Aert já venceu nove etapas da Volta a França. Nove. Em todos os terrenos, com todas as abordagens. Também desempenhou funções de equipa, mas teve liberdade para brilhar. Essa liberdade construiu um palmarés digno da sua grandeza. Van der Poel, com todos os fogos de artifício, tem apenas uma.
Agora, com o pulso enfaixado e o calendário em mudança, Van der Poel está perante uma verdadeira encruzilhada. A camisola arco-íris do BTT ou o legado na Volta a França. É difícil imaginar como poderá alcançar ambos.
O ciclismo moderno já não permite que o talento puro ultrapasse facilmente as barreiras entre disciplinas. O nível é demasiado elevado. As exigências demasiado precisas. Van der Poel consegue dominar o ciclocrosse porque é, simplesmente, o melhor de sempre. Consegue competir sem estar no auge e ainda assim vencer. No BTT, isso não funciona. Não contra adversários que passaram anos a aperfeiçoar o corpo e a técnica para 90 minutos de esforço extremo.
E certamente não funcionará se quiser deixar uma marca mais profunda no Tour. O seu brilhantismo merece mais do que uma vitória em etapas. E a primeira metade da Volta deste ano poderia ser o palco ideal para isso.
O que Van der Poel decidir fazer a seguir definirá como serão lembrados os seus 30 anos. Já é um génio universal, um fenómeno que reescreveu os limites do ciclismo moderno. Mas até os ícones têm de escolher as suas batalhas. E talvez o acidente de domingo tenha sido mais do que uma fratura. Talvez tenha sido um sinal. Um lembrete de que nem mesmo Mathieu van der Poel pode ganhar tudo.
A camisola arco-íris seria um troféu maravilhoso. Mas não é ela que atravessa os Campos Elísios. E Mathieu van der Poel, mais do que ninguém, merece mais do que apenas um momento de glória nas estradas mais sagradas do ciclismo.
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