Mark Cavendish nunca deixou de ser uma figura controversa no ciclismo e no livro que lançou há uma semana, intitulado 'Believing the Impossible' (Acreditar no Impossível), o britânico aborda a sua passagem pela
Soudal - Quick-Step. Foi um período de enorme sucesso desportivo, mas também de tensão e desentendimento com o então diretor executivo da equipa,
Patrick Lefevere.
O contexto é essencial para compreender o que estava em jogo. Após mais de uma década de vitórias consistentes na Volta a França, Cavendish procurava bater o recorde absoluto de triunfos em etapas da corrida. No final de 2019, mudou-se da Team Dimension Data para a Bahrain Victorious, mas viveu um ano sem resultados expressivos. Foi-lhe diagnosticado uma infeção com o vírus Epstein-Barr, que justificou parte da quebra do seu rendimento, mas os anos anteriores já tinham sido difíceis e no final de 2020, o britânico encontrava-se sem contrato e com poucas perspectivas de regressar ao WorldTour - quanto mais à Volta a França.
Foi então que surgiu a oportunidade da Soudal - Quick-Step. Lefevere ofereceu-lhe um contrato de um ano, uma última hipótese para provar o seu valor. Recuperado fisicamente, Cavendish voltou a vencer e conquistou um lugar no alinhamento para a Volta a França. O regresso foi histórico: quatro vitórias em sprints em pelotão compacto e o número recorde de 34 triunfos na Grande Boucle. Um renascimento.
Mas o “e agora?” revelou-se mais complicado. Cavendish renovou por mais uma época com a Quick-Step, mas apesar das boas exibições - incluindo uma vitória na Volta a Itália - ficou fora da seleção para o Tour. A equipa apostou em Fabio Jakobsen, que vivia a sua própria história de superação após o grave acidente na Volta à Polónia de 2020.
Mark Cavendish levanta os braços pela 35ª vez na Volta a França.
Negócios e bastidores
Segundo o jornal Het Nieuwsblad, Cavendish sentiu-se enganado financeiramente durante o tempo que passou na equipa belga. No livro, o britânico é directo: “Ele estava a enganar-me, foi assim que me senti”, disse, referindo-se a Patrick Lefevere. As críticas prendem-se com a ausência de contacto por parte do dirigente após a Volta a França de 2021, a falta de uma proposta concreta de renovação e a alegada distribuição dos bónus pela fornecedora de bicicletas Specialized e não pela própria equipa.
A indefinição sobre o futuro gerou ansiedade e frustração no britânico, sentimentos que agora transparecem nas páginas do livro. Lefevere, conhecido por não deixar acusações sem resposta, reagiu de imediato. “Acho lamentável o que Mark está a escrever. Na altura paguei-lhe a fiança e dei-lhe um contrato quando já ninguém o queria. Agora percebemos isto. A ingratidão é claramente o maior prémio do mundo”, afirmou ao Het Nieuwsblad.
A passagem de Cavendish pela Quick-Step terminou longe do final de conto de fadas que se previa. Foi retirado da formação para a Volta a França, precisamente a corrida que o motivava a continuar. No entanto, o destino ainda lhe reservava um capítulo épico: em 2024, já com a Astana Qazaqstan Team, Cavendish conquistou a sua 35ª vitória na Volta a França, tornando-se o ciclista com mais triunfos na história da prova.