Ser ciclista profissional nunca foi simples, mas no ciclismo moderno o nível de exigência atingiu um ponto sem precedentes. A disciplina, a nutrição, o treino em altitude e a preparação milimétrica fazem hoje parte da rotina de atletas cada vez mais jovens, um fenómeno que preocupa alguns veteranos. Entre eles está
Tosh van der Sande, que aos 34 anos se despede do pelotão, alertando que o profissionalismo precoce poderá levar a reformas cada vez mais antecipadas.
"Em 2011, ainda me podia dar ao luxo de esperar, mas os jovens de hoje já não podem fazer isso. Tudo acontece muito depressa", explicou ao Het Nieuwsblad. "A grande diferença é que, em comparação com o meu tempo, os jovens ciclistas já são muito mais profissionais"
Van der Sande, que passou a maior parte da sua carreira na Lotto Soudal antes de se juntar à
Team Visma | Lease a Bike em 2022, acredita que o ritmo imposto às novas gerações pode ter consequências sérias.
"Até os recém-chegados já fazem estágios em altitude"
O belga sublinha que os hábitos de treino mudaram de forma radical, e o que antes era reservado a ciclistas experientes é agora rotina para juniores e sub-23.
Van der Sande esteve quatro anos na Visma. @Sirotti
"Até há recém-chegados que fazem campos de treino em altitude agora. Eu tinha 30 anos quando fiz o meu primeiro campo de treino em altitude", contou. "E acreditem em mim, os campos de treino em altitude são aborrecidos. Têm um enorme impacto na forma física, isso é certo. Mas um campo de treino como esse é apenas treinar, comer e dormir, e não por uma semana, mas por três seguidas".
A cultura do "tudo pelo desempenho" espalhou-se pelo pelotão, e o resultado é um desporto em que as fronteiras entre gerações se esbatem. Os jovens chegam preparados para competir ao mais alto nível, mas também esgotam o corpo e a mente muito mais cedo.
"Recusava jantares de família porque tinha de pesar a comida"
Depois de 14 épocas completas no WorldTour, Van der Sande conhece bem o preço do profissionalismo extremo. O belga recorda os sacrifícios que a obsessão com a nutrição lhe exigiu.
"Estamos tão concentrados na alimentação que nos levamos ao limite. A certa altura, comecei a recusar jantares de família porque tinha de pesar a minha comida", confessou. "E se ainda quisesse estar presente, levava a minha própria comida, enquanto o resto da família desfrutava de algo saboroso".
A convivência social deu lugar à precisão científica e, segundo o belga, esse é o custo invisível da busca pela excelência.
"As carreiras vão ficar mais curtas"
Van der Sande acredita que a longevidade no ciclismo profissional está em declínio.
"Pode dizer-se que uma carreira de dez anos é a média dos profissionais. Tenho quase a certeza de que isso vai diminuir no futuro", afirmou.
O ritmo do desporto e a exigência mental constante significam que poucos conseguirão resistir tanto tempo como ele. Ainda assim, o belga deixa o pelotão com a sensação de dever cumprido e com o orgulho de ter ajudado a moldar o caminho de jovens talentos da equipa neerlandesa.
"Uma pequena palmadinha nas costas pode fazer maravilhas", contou. "Olav Kooij e Matthew Brennan, por exemplo, dizem que, sem mim, não estariam onde estão hoje. Isso significa muito".
Um adeus lúcido
A despedida de Tosh van der Sande é também um retrato de um ciclismo em mutação - mais científico, mais exigente e, talvez, menos humano. A geração que cresceu a pesar a comida e a dormir em altitude ainda não sabe quanto tempo conseguirá resistir, mas veteranos como Van der Sande deixam o aviso: o preço do sucesso precoce pode ser uma carreira mais curta e uma paixão que se esgota demasiado cedo.