Eslovénia. Um país do centro da Europa com pouco mais de 2 milhões de habitantes. Um país onde se pratica muito desporto ao ar livre mas que tem mais historial a nível de desportos de inverno tornou-se nos dias de hoje uma superpotência ao nível do ciclismo. Tudo graças a dois nomes: Tadej Pogacar e Primoz Roglic.
Há pouco mais de 10 anos a Eslovénia era uma nação praticamente sem palmarés a nível de ciclismo mas estes dois brilhantes ciclistas superaram as expetativas de tudo e todos e são duas das maiores estrelas da atualidade do ciclismo. Basta tirarmos um momento para refletirmos e rapidamente concluímos que estamos "apenas" a falar de dois ciclistas que entre eles ganharam as 3 Grandes Voltas de 2024, feito que tinha sido alcançado pela última vez pelo Reino Unido em 2018 numa altura em que Simon Yates vencia a Vuelta e a dupla da então equipa de referência, a Team Sky, conquistava o Giro e o Tour com Chris Froome e Geraint Thomas respetivamente e nos tempos recentes também conquistado em 2008 pela dupla de Alberto Contador (Giro e Vuelta) e Carlos Sastre (Tour) e já muito distante em 1964 com Jacques Anquetil (Giro e Tour) e Raymond Poulidor (Vuelta). Ainda assim, a Eslovénia comparada à Espanha, à França ou ao Reino Unido tem muito menos peso histórico no ciclismo o que torna ainda mais impressionante o feito alcançado por estes dois homens.
Entre Pogacar e Roglic encontramos apenas e só os vencedores de metade das Grandes Voltas dos últimos 6 anos como podem ver abaixo.
Ano | Giro | Tour | Vuelta |
2024 | Pogacar | Pogacar | Roglic |
2023 | Roglic | ||
2022 | |||
2021 | Pogacar | Roglic | |
2020 | Pogacar | Roglic | |
2019 | Roglic |
Tadej Pogacar e Primoz Roglic são dois ciclistas muito completos. O destaque deles ultrapassa aquilo que são as Grandes Voltas.
Tadej Pogacar é um ciclista muito talhado para provas de 1 dia com bastante dureza incluída. Aos 26 anos já conquistou 3 dos 5 monumentos do ciclismo (Volta a Flandres, Liege-Bastogne-Liege e Il Lombardia), um Campeonato do Mundo de estrada e várias clássicas de 1 dia. Já Primoz Roglic aos 34 anos conta com um título olímpico de contrarrelógio, uma Liege-Bastogne-Liege e vitórias em praticamente todas as provas por etapas de World Tour disputadas na primeira metade do ano (à exceção do Tour Down Under e da Volta à Suiça).
Já começamos então a sentir algumas diferenças entre os dois astros eslovenos.
Tadej Pogacar | Primoz Roglic | |
Grandes Voltas | 4 | 5 |
Campeonatos do Mundo | 1 | 0 |
Títulos Olímpicos | 0 | 1 |
Monumentos | 7 | 1 |
Provas de 1 semana WT | 7 | 11 |
Clássicas de 1 dia WT | 6 | 0 |
Etapas em Grandes Voltas | 22 | 14 |
É uma pergunta difícil e injusta de responder. Enquanto que entre Pogacar e Vingegaard temos muitos termos de comparação diretos porque todos os anos se enfrentam na Volta a França, o mesmo não se pode dizer entre Tadej Pogacar e Primoz Roglic.
Na realidade ambos defrontaram-se por várias vezes em Grandes Voltas mas tem sido recorrente que Primoz Roglic não consiga concluir as Grandes Voltas em que tem participado. Primoz Roglic é um atleta que não se dedicou inteiramente ao ciclismo durante toda a sua carreira. Entre os seus 14 e 23 anos de idade foi na realidade um atleta de saltos de esqui tendo-se inclusive tornado campeão do mundo de júniores por equipas em 2007. Já Tadej Pogacar competiu desde os 9 anos como ciclista e chamou à atenção pela primeira vez quando fazia uma corrida local e certo dia Andrej Hauptman (que de hoje em dia é diretor desportivo na UAE Team Emirates) assistia a uma corrida dele e mandou a organização prestar apoio a Pogacar quando este parecia estar cansado enquanto corria contra miudos mais velhos, até que o staff da organização lhe disse que Pogacar estava na realidade a dar uma volta de avanço a toda a gente. E o resto é história. Tadej Pogacar viria a vencer o Tour de l'Avenir em 2018 antes de dar o salto para o nível profissional em 2019.
E eis que em 2019 temos o primeiro confronto entre ambos. Primoz Roglic era um atleta no auge da sua carreira e Tadej Pogacar era um jovem em ascenção. Roglic afirmava-se como ciclista de Grandes Voltas ao conquistar a sua primeira (de 4) Volta a Espanha mas a verdadeira surpresa da corrida foi o jovem Tadej Pogacar que venceu 3 etapas e ficou em 3º lugar a apenas alguns segundos atrás do então Campeão do Mundo Alejandro Valverde.
Já começavamos a ver os primeiros sinais daquilo que viria a ser uma batalha épica na Volta a França de 2020. Numa edição marcada pelo Covid-19 e disputada fora do seu calendário tradicional, estavam criadas todas as condições para termos uma edição memorável do Tour. O mais difícil mesmo foi conseguir dar o tiro de partida numa altura em que haviam muitas dúvidas em relação à segurança dos ciclistas em pleno clima de pandemia. Tivemos uma caravana do Tour mais pequena, menos público, zonas técnicas muito mais reduzidas e muitas máscaras distribuidas por entre todos os intervenientes que mesmo assim não conseguiram impedir a propagação do virus dentro do pelotão, mas o mais importante, os ciclistas, esses estavam bem presentes e ansiosos por dar espetáculo.
A história da corrida seria à partida um duelo entre Primoz Roglic e o vencedor do Tour de 2019, Egan Bernal, apoiados pelas duas equipas mais fortes do pelotão: A Jumbo-Visma e a INEOS. Com o passar da corrida Tadej Pogacar foi-se intrometendo na luta depois de ter perdido tempo após um furo na primeira semana e o mais impressionante é que dava a sensação de o fazer completamente sozinho visto que a sua UAE Team Emirates tinha perdido homens como Fabio Aru e Davide Formolo durante a prova, sem nunca ter tido real apoio da sua equipa nos momentos decisivos (o que não é bem verdade porque contou com um grande apoio de Jan Polanc no dia em que furou). Com o abandono de Egan Bernal a poucas etapas do final eis que Primoz Roglic assume o favoritismo e aparenta ter a vitória do Tour no bolso, até ter acontecido o impensável.
Na etapa 20, um contrarrelógio que levou os ciclistas a subir a famosa Planche des Belles Filles. "Ninguém consegue vencer sozinho" dizia o diretor da Jumbo-Visma Richard Plugge, elogiando o fantástico trabalho coletivo de uma equipa que tinha nomes como Tom Dumoulin, Tony Martin, Sepp Kuss e Wout van Aert. Mas não é que foi precisamente isso que Pogacar fez? Num dia em que nada o fazia prever, Pogacar faz uma reviravolta épica na penúltima etapa e aos 20 anos venceu assim a sua primeira Volta a França. Esta vitória foi um ponto de viragem na carreira de Pogacar que o catapultou para sempre como uma estrela do ciclismo mundial e foi um trauma para Primoz Roglic que desde então nunca mais conseguiu terminar uma Volta a França. Nos dias de hoje até os eslovenos não perdoam Tadej Pogacar por ter "roubado" a vitória a Primoz Roglic neste histórico dia.
Passados os anos não voltamos verdadeiramente a ver um novo confronto entre os dois. E com o passar do tempo vimos Primoz Roglic assumir um papel secundário dentro da Jumbo-Visma, que encontrou em Jonas Vingegaard um ciclista capaz de ombrear e bater Tadej Pogacar. Enquanto isso Tadej Pogacar foi elevando a sua carreira a novos níveis de forma a que podemos dizer que há um domínio antes e após o Tour de 2020.
Através do renomeado site de estatísticas Pro Cycling Stats, conseguimos obter uma ilustração que demonstra bem a passagem de testemunho que confirma o domínio de Primoz Roglic, o momento em que ambos se começam a equiparar e a posterior mudança para a Era de Pogacar. Com a idade do lado de Pogacar é de esperar que o fosso entre ambos continue a aumentar nos próximos anos.
Um dos pontos que são mais notórios no gráfico porém, é a grande subida da linha verde em 2024. Isto deve-se muito à histórica época de Tadej Pogacar em 2024 onde realizou aquela que pode ser considerada a melhor época na história do ciclismo e mesmo com um Primoz Roglic em alto nível depois da mudança para a Red Bull - BORA - Hansgrohe, as suas conquistas parecem pouco em comparação ao que fez o agora 3 vezes vencedor da Volta a França.
E não estamos a falar só em ganhar. A forma dominante e avassaladora como Pogacar ganhou praticamente todas as corridas em que participou marcou (e de que maneira) toda a época de 2024, algo que Primoz Roglic não conseguiu mesmo no pico da sua carreira. Desde março a outubro. Pogacar ganhou de todas as formas e feitios. Strade Bianche, Volta à Catalunha, Liege-Bastogne-Liege, Volta a Itália, Volta a França, Campeonato do Mundo e Il Lombardia. Em nenhuma destas corridas o esloveno pareceu ter a vitória ameaçada por ninguém e isso é o que o distingue dos demais.
Tendo em conta as conquistas de ambos e a forma como cada um marcou o ciclismo. Tadej Pogacar neste momento já supera toda uma carreira de Primoz Roglic e deixa uma marca muito forte na história do ciclismo, sendo já frequentemente discutido o facto de fazer parte do lote dos melhores ciclistas de sempre. Aos 26 anos, parecem não haver limites ao que o esloveno poderá ainda vir a conquistar durante o resto da sua carreira. Já Primoz Roglic não deve ser menosprezado porque foi ele quem desbravou o caminho que Pogacar percorre nos dias de hoje e foi o primeiro esloveno de sempre a conquistar uma Grande Volta, além obviamente de já ser atualmente o atual recordista de vitórias da Volta a Espanha em conjunto com Roberto Heras sendo que ainda terá tempo para se conseguir isolar na liderança.
Resta-nos apreciar o brilhantismo destes dois eslovenos enquanto podemos. Ambos movem o mundo do ciclismo, de tal forma que já se começa a tornar bastante notória a presença de adeptos eslovenos na estrada, especialmente na Volta a Itália devido à proximidade geográfica. A própria organização do Giro também tem apostado recentemente em levar a prova a território esloveno o que diz bem da influência e do impacto que Pogacar e Roglic têm dentro do mundo do ciclismo.