Crise Intermarché–Wanty: dívida, má gestão e o testemunho duro de Hilaire Van der Schueren

Ciclismo
sábado, 15 novembro 2025 a 20:30
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O colapso da Intermarché–Wanty abalou o ciclismo belga, mas poucos sentem o impacto tão profundamente como o homem que passou uma década a construir a equipa a partir do zero.
Em declarações ao Het Nieuwsblad, o antigo diretor desportivo Hilaire Van der Schueren descreveu anos de má gestão, despesas fora de controlo e avisos ignorados que, acredita, empurraram a equipa para muito além da sua capacidade real até ao precipício financeiro onde hoje se encontra.
Aos 77 anos, o técnico que ajudou a transformar um modesto conjunto Pro Continental num bloco capaz de marcar presença regular na Volta a França não esconde a angústia perante a dimensão da crise que leva agora à fusão forçada com a rival Lotto.
“Três milhões de euros de dívida”, resumiu, sem rodeios. “Euro, pois. Três milhões de francos belgas resolvem-se. Mas três milhões de euros? Não cabe na minha cabeça.”

“Avisei o JF: estão a gastar o teu dinheiro, não sentes isso?”

No relato de Van der Schueren, a liderança perdeu o controlo muito antes de o buraco financeiro se tornar público. “Tenho de ter cuidado com o que digo, não quero um processo por difamação”, começou por dizer, antes de deixar claro o quão alto soaram os seus alertas. “Mas avisei o JF. ‘Acorda, estão a gastar o teu dinheiro. Não sentes isso?’”
Um exemplo partilhado por Van der Schueren ilustra bem a desilusão. “Acham normal uma equipa sem dinheiro ir em dezembro para um estágio em Albir com cem pessoas? Sabem quanto custa? Estava lá até a equipa de desenvolvimento. Em janeiro, tudo bem, mas em dezembro? Não podíamos pagar isso.”
Segundo o veterano DD, o CEO Jean-François Bourlart insistiu que era parte da “profissionalização”. Para Van der Schueren, a ambição ultrapassou todos os limites. “Profissionalizar, sim, mas só se houver dinheiro para isso.”

“Ajudei a pôr aquela equipa no mapa, por isso é que dói”

O envolvimento emocional de Van der Schueren é evidente. Entrou na Wanty em 2014 quando, como recorda, “não havia dinheiro sequer para fazer uma equipa”. Angariou quase um milhão de euros em patrocínios e trabalhou o primeiro ano sem receber salário.
“Apresentei o Jean-François e as pessoas da Wanty à ASO, depois do que pudemos ir ao Tour em 2017. Não fiz nada sozinho, mas a equipa Wanty também é um pouco minha. Pus ali tanta energia. Por isso dói vê-los agora a caminhar para o abismo.”

Confusão tática, êxodo de staff e uma equipa sem rumo

A quebra desportiva em 2024 e 2025 deixou-o tão perplexo quanto a financeira. Com corredores como Gerben Thijssen, Arne Marit e Biniam Girmay, a formação somou apenas quatro vitórias. “Não entendo”, admitiu. “Olhem para os ciclistas que ainda tinham. O Lorenzo Rota não ganha uma corrida há dois anos, se o Valerio Piva ainda fosse diretor desportivo, isso nunca acontecia.”
Também criticou opções táticas recentes. “Agora é tudo para um homem. Compreendo que é preciso proteger o Biniam, claro, mas não com seis corredores. Quantas vezes ainda se vê um Intermarché-Wanty numa fuga?”
A decadência, diz, não se limitou ao rendimento na estrada. Os departamentos médico e de ciclocrosse, “os melhores da Bélgica”, colapsaram após a saída de elementos-chave devido a promessas não cumpridas. “Desde a minha saída, mais de vinte membros do staff foram-se embora. É um desastre.”

“O que me dá menos confiança? As mesmas pessoas que gastaram o dinheiro são as primeiras a mudar-se”

Com Lotto e Intermarché–Wanty agora unidas por necessidade, Van der Schueren olha com cepticismo para o futuro imediato. “O que me dá menos confiança: vejo as mesmas pessoas que gastaram o dinheiro a serem as primeiras a fazer a transição.”
Ainda assim, não culpa Bourlart. “Acho que o Jean-François é um gestor competente. Sempre tivemos uma boa relação. O seu sistema de business club manteve-nos à tona durante anos.”
Mas a sensação geral é clara: um projeto que ajudou a erguer foi empurrado ao limite por escolhas que nunca acreditou que a equipa pudesse suportar. “No ciclismo já vi e fiz de tudo”, concluiu. “Mas isto… isto dói.”
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