O fim do atual ciclo trienal do ranking UCI vai trazer consigo uma série de mudanças significativas no panorama do ciclismo profissional. A mais marcante é a fusão entre dois projetos tradicionais belgas: Lotto e Intermarché - Wanty, que passarão a formar uma única estrutura World Tour, mantendo uma equipa de desenvolvimento sub-23.
Embora os rumores de fusões sejam cada vez mais frequentes, a concretização efetiva de um projeto conjunto continua a ser algo raro. Neste caso, as duas equipas conseguiram chegar a um acordo estratégico, num movimento inédito para o ciclismo belga contemporâneo.
“Hoje, é preciso muito mais dinheiro para gerir uma equipa”
Bjarne Riis, vencedor da Volta a França de 1996 e antigo proprietário das equipas CSC, Saxo Bank e SunGard, conhece de perto os desafios de gerir uma estrutura World Tour. Entre 2001 e 2013, o dinamarquês dirigiu uma das formações mais fortes do pelotão, antes de vender a equipa a Oleg Tinkoff.
Em declarações ao
Feltet, Riis sublinha o aumento substancial dos custos operacionais.
“Quando tínhamos o maior número de empregados na minha equipa... éramos 85”, recorda. “Agora a maioria das grandes equipas tem até 120 empregados. É preciso mais dinheiro para gerir uma equipa, por isso para muitos faria sentido fazer uma fusão.”
A tendência de consolidação, segundo Riis, é um reflexo da crescente pressão económica no topo do ciclismo mundial, onde o financiamento estatal e os grandes patrocinadores internacionais moldam cada vez mais o equilíbrio competitivo.
Desaparecimento da Arkéa – B&B Hotels
Enquanto a fusão belga ganha forma, o ciclismo francês enfrenta uma nova baixa. A Arkéa – B&B Hotels deixará de existir no final do ciclo, apenas dois anos depois da extinção da B&B Hotels – KTM, que já tinha abalado o cenário ProTeam. O desaparecimento da estrutura levanta dúvidas sobre o futuro do ciclismo gaulês, historicamente dependente de patrocinadores nacionais e regionais.
Alguns observadores questionam se uma fusão entre ProTeams francesas, como a Cofidis ou a TotalEnergies, poderia dar origem a uma equipa com força suficiente para regressar ao World Tour em 2029.
Riis defende que, embora as fusões façam sentido pelo lado económico, são difíceis de concretizar por motivos humanos e estratégicos.
“Não percebo porque é que não há ainda mais equipas a fazerem uma fusão”, admite. “É preciso cada vez mais para chegar ao topo do ciclismo internacional. Mas, como proprietário de uma equipa, vai-se muito longe antes de se fazer a fusão.”
O antigo gestor explica que o maior obstáculo é a relutância dos dirigentes em perder influência.
“É difícil perder o controlo, mesmo que isso faça sentido para a organização. Trata-se de abdicar do poder, tal como em todas as grandes empresas que precisam de ser racionalizadas. As equipas de ciclismo agarram-se frequentemente à ideia de que ainda podem competir no topo.”
Questionado se o orgulho é o principal bloqueio, Riis é categórico: “Ah, sim. Tudo isto tem muito a ver com o orgulho.”
Um novo mapa para o ciclismo europeu
Com a fusão Lotto–Intermarché e o desaparecimento da Arkéa – B&B Hotels, o pelotão europeu de 2026 vai apresentar uma configuração bem diferente. O movimento poderá abrir espaço a novas sinergias, mas também acentuar a dependência das equipas médias face aos gigantes financiados por estados ou conglomerados internacionais.
O ciclismo entra, assim, num novo ciclo UCI que promete redefinir fronteiras, orçamentos e identidades e onde a palavra “fusão” poderá deixar de ser tabu para se tornar parte inevitável da sobrevivência no topo.