O ciclismo é um desporto de proximidade. Os adeptos não só têm acesso aos bastidores, como muitas vezes conseguem estar cara a cara com os seus ídolos, mesmo que estes sejam os melhores do mundo. No caso de
Tadej Pogacar, essa atenção constante é uma faca de dois gumes. O esloveno vive no Mónaco, mas não escapa à multidão de fãs que o segue diariamente, como explicou
Tim Wellens, colega de equipa na
UAE Team Emirates - XRG.
“Vivo ao lado dele e não é fácil viver como ele. O Tadej levanta-se, vai tomar o pequeno almoço e estão lá 20 pessoas à espera dele, a exigir atenção. Depois do pequeno almoço, há mais 30 pessoas e esse número volta a aumentar na paragem do autocarro”, descreveu Wellens ao Sporza. “Ele está constantemente sob pressão. É-lhe pedido muito e acho que é normal que ele tenha dificuldades psicológicas.”
Na conferência de imprensa de antevisão da
Volta a França, o próprio Pogacar admitiu que se tem mostrado disponível para os meios de comunicação, mas que a equipa tem procurado limitar esses compromissos para aliviar parte do fardo mediático. A gestão emocional tornou-se, em 2025, uma componente tão importante como o treino físico.
Além da carga de atenção mediática, há ainda o desgaste que resulta dos compromissos diários no pódio. Ao longo de quase toda a corrida, Pogacar subiu ao pódio em diversas classificações e isso reduziu-lhe não só o tempo de recuperação como também os momentos de privacidade com a equipa e a família após as etapas.
“Raramente cometia um erro se lhe déssemos uma pequena vantagem. Nunca o levavam de volta. Eu vi que ele se ia tornar um bom ciclista, mas não isto”, recordou Andrej Hauptman, antigo seleccionador da Eslovénia e actual director desportivo da UAE. “A sua força é a sua determinação. Mantém-se calmo nos momentos difíceis. E quando se tornou campeão do mundo, ainda estava motivado para os seus próximos objectivos. Não consigo entender isso.”
Hauptman, o homem que descobriu Pogacar e o acompanhou desde os primeiros passos até ao estrelato, partilhou ainda aquela que poderá ser, paradoxalmente, uma das poucas fragilidades do esloveno. “Por vezes é demasiado honesto. Embora isso não tenha sido um ponto fraco até agora. Mesmo quando, por vezes, não é como gostaria de ser ou quando o resultado não é o que esperava, ele lida bem com isso. Ele processa isso e volta a olhar para o futuro novamente passado uma hora.”
A ideia de que um talento deste calibre está imune aos problemas típicos do pelotão profissional é uma ilusão, garante Hauptman. “O Tadej é humano. Ele também sofre. Eu conheço o Tadej. Mas para as pessoas que não conhecem o Tadej, isso é difícil de entender. Se por vezes queremos que outro ciclista, o nosso favorito ou um amigo, ganhe, é difícil compreender que alguém seja melhor.”
No entanto, o Pogacar de hoje não é o mesmo de há três ou quatro anos e isso vê-se na forma como aborda as corridas. “Com um número nas costas, ele está sempre pronto a lutar e a correr. Mas tornou-se mais pragmático. Especialmente este ano. Já não é tão agressivo. Tornou-se um pouco mais defensivo quando é necessário. Tornou-se mais maduro e mais calmo. Se me tivessem perguntado há 10 anos atrás, se eu poderia fazer parte de uma história destas... É algo que só se vê nos filmes americanos. Mas os sonhos podem tornar-se realidade.”