Iuri Leitão e Rui Oliveira são os homens do momento. É impossível ficar indiferente ás conquistas olímpicas portuguesas, sejam elas em que modalidade forem, mas quando isso acontece no ciclismo pela primeira vez em tantos anos de história dos Jogos Olimpicos, é motivo para rejubliarmos com os feitos, celebrarmos como se as medalhas tivessem sido conquistadas por nós e sentirmo-nos orgulhosos pelo trabalho feito pelos nossos rapazes, que elevaram o nome de Portugal ao mais alto patamar do ciclismo de pista.
Iuri é um jovem de 26 anos, é natural de Viana do Castelo, que o recebeu em apoteose, e corre pela equipa espanhola da Caja Rural - Seguros RGA. O ano passado venceu a Volta à Grécia, antes de subir ao lugar mais alto do pódio no Omnium nos Campeonatos do Mundo. Falou-se muito da conquista, do ser Campeão do Mundo, mas nada iguala a projecção se ser Campeão Olímpico. " Ainda não faço ideia do que é ser campeão olímpico. Estou a lidar com esta realidade tão boa, não está a ser fácil assimilar tudo. Aliás, ainda estou a assimilar o titulo mundial do ano passado, portanto isto vai demorar um bocadinho" abre a conversa para O Jogo.
Sobre a sua estreia com Rui Oliveira no Madison, encararam o desafio dos JO com um misto de calma e nervosismo " Fomos como estreantes, mas fomos acima de tudo felizes. Não fomos nervosos. Na realidade, o Rui estava um bocadinho nervoso, mas é normal. As pessoas que nos rodeavam estavam mais nervosas. Eu tive de manter a serenidade..." refletindo que sentiu mais responsabilidade e pressão nos Campeonatos do Mundo " Se andarmos para trás, lembro-me de ser escolhido pelo selecionador para o Omnium do campeonato do mundo, a prova que mais pontos dava para irmos aos Jogos Olimpicos. Tendo em conta que o objectivo máximo era o apuramento, não podia falhar, caso contrário Portugal não ia aos Jogos"
O jovem Vianense já tinha uma medalha no bolso, graças à prata que ganhou no Omnium, e no sábado para a corrida de madison, Iuri não tinha boas sensações antes da corrida " Eu tive duas oportunidades de fazer bons resultados, o Rui só teve uma. Não o podia deixar ficar mal. Muitas vezes não estamos no nosso melhor dia, e no sábado eu não estava, mas não podemos baixar os braços. Eu não podia deitar todo o trabalho do Rui ao lixo só porque já tinha uma medalha e não me estava a sentir bem. É uma prova que requer muito companheirismo, altruísmo, temos de pensar mais no colega do que em nós e esperar que ele faça o mesmo"
Tanto Iuri como o Rui já tinham falado da estratégia que usaram na corrida de sábado, mas há pormenores que escaparam à vista de quem gosta de olhar para números " Aqueles 50 quilometros foram frenéticos, saiu muito rápido e a primeira metade foi à média de 62 km/h. A tendencia é abrandar na parte final, quando já há fadiga, mas nós fizemos questão de não deixar. Foi quando fizemos a nossa jogada final e demos a volta ao resultado" continuando a reflexão " Foi dos maiores esforços da nossa carreira, mas já falei disso com o Rui e ele sentiu o mesmo que eu. Chegamos a um ponto em que estávamos em transe, não sentíamos nada."
Era preciso naquele momento da corrida conseguir dar uma volta de avanço ao grupo principal e estavam a levar a cabo a estratégia delineada " Só pensávamos que tínhamos que fazer e continuávamos. Doíam as pernas, a respiração ia muito rápida, mas não sentíamos nada. Era puxar, puxa, puxar... Fizemos um treino especifico atrás da moto antes dos Jogos e depois 26 ou 27 voltas de gás a fundo. Quando nos vimos naquela situação nem precisei de falar com ele, entendemos logo que era aquilo que tínhamos treinado. Não olhamos para trás. Simplesmente continuamos, ganhámos os sprints que precisávamos, dobramos o pelotão, respiramos fundo e fizemos o sprint da ultima volta"
A ultima volta seria decisiva para o ouro e era Iuri que ia lutar com a Dinamarca e Itália pelo lugar mais alto do pódio " Sabia que era eu que ia fazer o ultimo sprint. Acelerei o suficiente para render com o Rui, tendo as duas ultimas voltas para fazer volta e meia de sprint. A partir daí foi o sprint da minha vida. Fiz a minha volta mais rápida de sempre", confessa.
Vibravam os portugueses presentes na bancada do velódromo e os que assistiam pela televisão, espalhados por todo o mundo. E que volta aquela. Se Iuri e Rui fizeram uma média superior a 60 km/h nos ultimos 18,4 quilometros da corrida, o que de si já é impressionante, o sprint final deixou muitos perplexos pela velocidade incrivel de Iuri Leitão " Fiz a ultima volta a uma velocidade média de 73 km/h. É impressionante, nunca tinha feito nada assim" recorda.
As palavras mais ouvidas nas horas que se seguiram à conquista do ouro nos Jogos Olimpicos de Paris, eram para que as entidades que gerem o desporto no nosso país olhassem para os resultados e apoiassem os atletas, pois as medalhas conquistam-se na base de muito trabalho e de condições, tanto financeiras como estruturais, coisas que em Portugal são dificeis de encontrar " Tudo se resume a dinheiro não é?" Iuri levanta o véu " O dinheiro compra material, condições, tempo."
"Aquilo que nos falta é porque não temos dinheiro" continua a sua reflexão " Os nossos fatos, fora dos Jogos Olimpicos, que lá não há publicidade, estão muito vazios. Agora podem dizer: vocês conseguiram. Mas podemos não conseguir na próxima. E há mais, quando eu e o Rui perdermos capacidade, quem vem a seguir? Temos de criar ciclistas, ter condições para formar jovens, para fazer festivais de pista, para os chamar e ensiná-los e levá-los a correr no estrangeiro"
E Iuri dá um exemplo, de muitos outros, onde a falta de dinheiro acaba por levar as coisas ao ridículo " Este ano fomos à Austrália e não pudemos levar bicicletas de estrada, porque não havia dinheiro suficiente para embarcar tudo. A prova até foi espetacular, mas não devíamos de abdicar de bicicletas"
Portugal tem um velódromo, mas o campeão do mundo e olímpico dá a sua opinião " Temos o Centro de Alto Rendimento em Anadia, que temos usado da melhor forma. Mas podia haver mais. É uma obra complicada e cara, mas os outros países têm mais do que um. Seria a forma de atrair mais jovens e também mais adeptos e estes significam audiência, logo mediatismo e a seguir dinheiro"
Com os olhos no futuro Iuri Leitão assegura que vai continuar na equipa espanhola da Caja Rural " Tenho contrato para este ano e para o próximo" e não almeja fazer Grandes Voltas, pelo menos para já " Até agora nunca tive essa vontade. Nestes ultimos anos estive mais virado para a pista. Mas essas provas, sendo muito mediáticas, um palco espetacular para qualquer sprinter e uma grande oportunidade para mostrar o nosso valor, nunca foram um objectivo", O que ele sabe é que dentro de uma semana estará de volta ao activo " Na quarta feira da próxima semana vou fazer a Volta à Alemanha" concluiu.