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Volta a Portugal arrancou ontem para a sua 86ª edição, mas, se por um lado, esta corrida faz as delícias dos milhares de adeptos que se deslocam às estradas para ver passar o pelotão, há muito que deixou de ser uma competição apelativa para as principais equipas. A Volta é o momento alto do ano para as equipas nacionais, mas, convenhamos, o nível da Grandíssima tem caído ano após ano, é preciso colocar um travão.
Numa ronda por vários diretores desportivos nacionais, levada a cabo pelo Jornal o Jogo, os timoneiros sublinham a necessidade de voltar aos tempos de glória da Volta e são necessárias mudanças para cativar melhores equipas e ciclistas. "Sou do tempo em que o Sporting ia ao Tour, a Sicasal à Vuelta e os melhores vinham cá. A Volta a Portugal precisa de um safanão, pois começa a não ser apetecível" alerta Manuel Correia, diretor desportivo da
GI Group Holding - Simoldes - UDO, um dos nomes mais respeitados da modalidade e por quem passaram alguns dos maiores talentos nacionais da atualidade. "Temos de pensar bem no futuro e a subida de escalão da Volta seria importante", conclui Correia.
Não há que ter medo das palavras, este é, senão o pior, um dos piores pelotões da Volta a Portugal, sem qualquer equipa do 1º escalão, algo que acontece desde 2021, quando a
Movistar Team marcou presença, e com apenas 1 equipa do 2º escalão, a também espanhola
Caja Rural - Seguros RGA, de Iuri Leitão, por oposição às 4 presentes na edição anterior, para agravar, um número de participantes bastante reduzido, apenas 111 ciclistas. A prova pertence ao escalão 2.1, o 3º escalão das provas por etapas da UCI, atrás do Worldtour e Pro Series e à frente do escalão 2.2, o último.
Há muitos anos que a Volta a Portugal passou o testemunho de prova mais importante do calendário português para a Volta ao Algarve, pertencente ao escalão Pro Series, e que este ano acolheu 13 equipas da 1ª divisão do ciclismo mundial, naquele que foi o melhor pelotão, em termos qualitativos, depois das corridas worldtour. Ora, no polo oposto a Volta a Portugal de 2025 conta apenas com 20 ciclistas... do top 1000 do ranking mundial. A Volta ao Algarve teve um pelotão no valor de 645 pontos, contra 312 da Figueira Champions Classic e os escassos 29 da Volta a Portugal, vendo-se batida pelo GP Beiras e Serra da Estrela - 45 pontos, estas medições são realizadas pelo ranking dos ciclistas presentes.
Gustavo César Veloso, ex-vencedor da prova por 2 ocasiões e atual diretor desportivo da
Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados, também se pronunciou sobre o tema: "A Volta era de um escalão acima no anterior sistema. Agora sente dificuldades para conseguir uma boa participação e a solução será a subida. Se uma corrida não dá pontos, só chama as equipas com dinheiro. Para subir terá de aumentar o orçamento, mas ficará mais atrativa. O espanhol não teme a concorrência de equipas mais fortes e até considera isso positivo: "Correr contra equipas worldtour é uma limitação, mas obriga-nos a fazer mais. A diferença de qualidade dos nossos atletas para os melhores portugueses, que estão lá fora, não é tanto como parece".
Para
Ruben Pereira, diretor da equipa campeã em título e vencedora do prólogo, a
Anicolor - Tien21 diz que "a Volta merece subir de escalão pelo público que tem, pela estrutura, pela envolvência, pela história, a corrida merece um espetáculo de nível superior. Se calhar contra nós falamos, mas um pelotão mais atrativo teria outro interesse. Em 2021 tivemos a Movistar e foi importante para todos".
Outro dos nomes mais conhecidos do pelotão nacional e recordista de participações na Volta, Joaquim Andrade, atual diretor da
ABTF Betão - Feirense também apoia uma mudança: "Com uma subida ficaríamos todos a ganhar, equipas e organização. Aliás, até acredito que existiria mais equilíbrio, não haveria só uma equipa a parecer bastante superior. Sabemos que é difícil, mas Portugal deveria lutar pela promoção".
Américo Silva, diretor da
Aviludo - Louletano - Loulé, equipa vencedora da primeira etapa em linha da edição de 2025, recorda a edição de 2023, ganha por Colin Stussi, "As últimas edições foram bem disputadas, com muitas equipas na discussão, e não achei prejudicial que, há dois anos, fosse uma equipa estrangeira a ganhar, pois houve igualdade a nível competitivo".
Hernani Broco, da
Credibom / LA Alumínios / MarcosCar, assinala que a competição nacional dá poucos pontos UCI, numa semana recheada de competições: a
Volta à Polónia, a
Volta a Burgos, a Artic Race e o Tour de l'Ain, coincidindo ainda com o Czech Tour e a Volta à Dinamarca na próxima semana: Dá poucos pontos e obriga a correr a um ritmo elevado, pelo que algumas equipas procuram outras paragens, até no continente asiático". Um cenário comprovado pelas presenças da Burgos Burpellet BH e da Euskatel-Euskadi, duas habitués na Volta, na Trans Himalaia Cycling Race, uma corrida com 4 dias e que dá os mesmos pontos da Volta a Portugal.
José Azevedo, um dos nomes que mais dignificou o ciclismo português além fronteiras, quer como ciclista, quer como diretor desportivo, e atual diretor da
Efapel Cycling, tem, desde há muito, uma opinião abalizada sobre o assunto: "Preferia um escalão superior. A organização da Volta e a federação têm de saber o porquê de não atraírem equipas de nível mais elevado e depois procurar soluções. Aumentando o nível competitivo e mesmo reduzido a nossa probabilidade de vencer, engrandece a corrida e será bom para todos. O nível atual não é positivo para o ciclismo português".
Por outro lado, há quem seja avesso à mudança, como é o caso do professor José Santos, da
Rádio Popular - Paredes - Boavista, um dos mais carismáticos diretores do nosso pelotão, "Este ano a competição será equilibrada. Nós estamos na 3ª divisão e será desigual competir com equipas da primeira. Em Portugal, o orçamento médio é de 400 a 450 mil euros, no worldtour eles são de 40 milhões. É totalmente impossível competir em igualdade de circunstâncias, o desporto nacional é de outra realidade".
Para Vidal Fitas, da AP Hotels & Resorts-Tavira-SC Farense, "um pelotão mais curto pode não ser mais fraco, esta corrida poderá revelar-se bastante competitiva. Falta saber se há condições para uma subida de escalão e qual o objetivo. Se queremos mais qualidade, claramente é preciso subir; se queremos manter os dias de competição, terá de existir um investimento, mas para trazer mais gente", chama a atenção o responsável da equipa mais antiga do panorama nacional, para as 10 etapas e um prólogo, fazendo desta a prova por etapas mais longa depois das grandes voltas, no entanto parece esquecida pela UCI.