A décima terceira etapa da
Volta a Espanha foi a etapa rainha desta edição, com muitas dúvidas. Com mais de 200 km no menu e a mítica subida ao Angliru, a etapa prometia muita ação e cumpriu.
As subidas foram todas guardadas para a parte final da etapa, com cerca de 160 quilómetros planos antes disso. Foi estabelecida uma grande fuga mais uma vez, com 25 homens a descerem a estrada. Os principais nomes presentes foram Mads Pedersen, Bob Jungels, Jefferson Cepeda, Clément Braz Afonso e Antonio Tiberi.
A Visma assumiu a responsabilidade de trabalhar no prlotão, já que
Jonas Vingegaard queria lutar pela vitória da etapa, não deixando a diferença ultrapassar a marca dos 4 minutos no Alto La Mozqueta (6,4km a 8,2%) e na subida seguinte (Alto del Cordal, 5,5km a 8,8%) foi a UAE que assumiu a liderança do grupo.
Quatro homens (Tiberi, Cepeda, Jungels e Vinokurov) distanciaram-se da fuga inicial no Cordal, mas Tiberi caiu na descida quando tentava regressar à frente após um furo e perdeu todas as suas opções.
Pouco depois de iniciada a subida para Angliru, os manifestantes voltaram a bloquear a estrada e interromperam a fuga durante cerca de 20 segundos, embora sem ciclistas da Israel - Premier Tech na frente. A Emirates continuou a marcar o ritmo, mas teve de o fazer sem a ajuda de Juan Ayuso, que foi deixado para trás logo após a sua equipa ter começado a puxar.
Jay Vine e Felix Grosschartner reduzem o pelotão a apenas 10 unidades e
João Almeida assumiu a dianteira do grupo no Angliru e impõs um ritmo infernal. Os restantes sobreviventes perderam o contacto um a um, até que apenas Almeida e Vingegaard sobraram na frente.
O português fez uma etapa ambiciosa, tentando fazer quebrar Vingegaard, mas sem sucesso. O dinamarquês resistiu, mas não teve pernas para voar sozinho e, na descida final ao sprint, não conseguiu ultrapassar Almeida, que venceu a etapa de forma épica.
Atrás deles, Hindley foi o melhor dos restantes homens da geral, perdendo apenas 28 segundos. Tom Pidcock teve dificuldades mas conseguiu manter o terceiro lugar na geral, a 2:18 de Vingegaard.
Uma vez terminada a etapa, pedimos a alguns dos nossos escritores que partilhassem as suas ideias e principais conclusões sobre o que aconteceu hoje.
Ivan Silva (CiclismoAtual)
Etapa raínha da Vuelta. Quando se fala em subidas míticas, não há muitas que me venham à cabeça. Temos o Tourmalet, o Alpe D'Huez e o Mont Ventoux em França, temos o Stelvio em Itália e temos o Angliru em Espanha. Esta é a derradeira subida que separa os miudos dos graúdos na Vuelta. Tem inclusive um marco no topo da subida onde ficam registados os nomes dos ciclistas que se sagraram vencedores ao longo dos anos. Desde José María Jiménez, até ao lendário Roberto Heras, ao inesquecível Alberto Contador e ao recordista Primoz Roglic. Junta-se a eles agora... João Almeida!
Para mim, como português que sou, este é um dia que me enche de grande orgulho. Somos uma nação que, sejamos realistas, não somos uma superpotência do ciclismo como somos noutras modalidades, mas hoje fomos grandes. É verdade que já vencemos etapas em Grandes Voltas, mas há etapas e depois há esta etapa! É do Angliru que estamos a falar, e agora teremos o nome do João Almeida gravado para a eternidade numa subida deste calibre.
Relativamente à etapa em si, que posso dizer? O desfecho foi o esperado, normalmente não é o tipo de etapa propício a fugas, especialmente quando tivemos um início tão plano até entrarmos nas verdadeiras subidas. De resto, a subida do Cordal a anteceder o Angliru acho que é a vertente que é sempre usada, por isso o percurso não foi certamente novidade para ninguém. Mas subir o Angliru é outro nível.
Quanto ao desfecho, hoje João Almeida pode dizer que teve verdadeiramente uma equipa ao seu dispor, até o nosso campeão nacional Ivo Oliveira deu uma perninha para preparar o ataque do João. O Felix Grosschartner esteve excelente, a compensar outros ciclistas da equipa que teriam maior obrigação de serem eles os últimos homens de apoio do João. Depois, como dizia o Pidcock, tivemos um trator em ação, a entrar pelos caminhos de cabras acima. Um por um, descarregou toda a gente. Todos menos um... Jonas Vingegaard. Vingegaard mostra que até agora é o ciclista mais regular e não tem cedido em nenhum momento para o João Almeida. Hoje esteve a um excelente nível, mas a certa altura também dava a sensação que poderia querer ir na roda e no momento certo atacava e roubava a vitória ao João, mas não o fez. Portanto só posso concluir que ele também devia ir ali bem no vermelho e a rezar para que o João não tivesse aquele kick à Pogacar para o deixar para trás. No final chegaram juntos mas como é tradição ganha sempre o ciclista que entra melhor posicionado nos metros finais. A descida rápida e apertada torna as ultrapassagens muito difíceis e quando vi o João a entrar na frente senti logo que a vitória estava no bolso.
João, podes até nem ganhar a Vuelta no final, mas hoje ficas imortalizado!
Pascal Michiels (RadsportAktuell)
E lá estavam eles, os portugueses. Cheios de esperança. Ansiosos pelo que estava para vir. Algures no norte de Espanha, por horas à espera do seu herói. Não numa montanha qualquer, mas no Angliru, equiparável talvez só mesmo ao Alpe d'Huez da Volta a França. Só de ver as imagens dos ciclistas no seu máximo esforço, conseguimos sentir a dor deles desde as pontas dos pés até à ponta dos cabelos.
E a espera foi recompensada. Os adeptos portugueses tiveram exatamente o que esperavam: o seu João Almeida na frente, com apenas um ciclista a seguir, Jonas Vingegaard. Antes, era evidente que a Emirates estava finalmente a trabalhar para o seu líder. Ainda não todos, é certo, mas mais do que nos dias anteriores.
Enquanto os restantes lutavam entre si, restava apenas uma questão: quem ficaria com a vitória? Almeida deu tudo, talvez até tenha atingido o seu limite entre a zona dos três quilómetros para a meta e o quilómetro final, mas encontrou novo fôlego nos últimos 400 metros da subida. Depois veio a descida furiosa. Vingegaard continuava na sua roda, mas Almeida estava a soltar-se e chegou a abrir uma diferença de um metro e meio. Vingegaard, com a cabeça ainda mais enterrada entre os ombros naqueles quilómetros finais, aceitou (a derrota).
Almeida conquistou uma merecida vitória na etapa e em breve poderá entregar as flores ao aniversariante, Ivo Oliveira. O abraço para lá da linha entre os dois campeões, bem como entre João Almeida e Ivo Oliveira, mostra o que é este desporto. O desporto mais bonito do mundo. E quando deixamos de lado a diferença de tempo entre Vingegaard e Almeida na classificação geral, vemos que a Vuelta está longe de terminar.
Atrás deles, tudo continua incrivelmente renhido, com nomes de peso à mistura: Pidcock, Ciccone, Pellizari, Gall, Riccitello, entre outros. Todos ciclistas de topo. A Vuelta está longe de estar terminada. Mas para os meus colegas portugueses, nada disso importa hoje. Transformaram-se em abelhões atarefados, todos a zumbir de alegria. O seu herói venceu no Angliru. João Almeida.
A fuga foi intercetada por uma nova invasão de manifestantes durante a 13ª etapa da Vuelta
Víctor LF (CiclismoAlDía)
O João Almeida esteve perfeito. Fez tudo o que tinha de fazer. Para aqueles que o censuram por não atacar, não se ataca no Angliru. O Angliru é tão difícil que temos de ir ao nosso próprio ritmo e deixar que quem nos possa seguir nos siga. E foi isso que Almeida fez na perfeição.
Quanto a Jonas Vingegaard, não percebi bem se não teve forças para o ultrapassar na chegada ou se não quis disputar a vitória com o homem que o rebocou durante toda a subida. De qualquer forma, o dinamarquês parece difícil de bater nesta Vuelta. Quanto ao resto dos ciclistas, parabéns a Abel Balderstone. Top 10 numa chegada mítica como a do Angliru e melhor espanhol na classificação geral. Veremos se ele é capaz de manter esse estatuto no resto da corrida, mas já é uma nota muito positiva para a Caja Rural.
Carlos Silva (CiclismoAtual)
Depois de ter escrito há dois dias que o pódio da Volta a Espanha estava longe de estar fechado, eis que Angliru veio dar-me razão. Não, não vou falar de Juan Ayuso, porque até o aniversariante, Ivo Oliveira, ajudou mais a equipa na última subida do que o ciclista espanhol "barrigudo".
É certo que não teria feito grande diferença no Angliru, mas vê-lo ficar para trás tão cedo mais uma vez só demonstra que há uma 24ª equipa na Vuelta. A Juan Ayuso Cycling Team tem apenas um ciclista, já tem duas vitórias em etapas e não quer saber dos seus companheiros de equipa.
Toda a gente, sem exceção, estava a apostar no Jonas para ganhar no Angliru. Todos exceto eu. Talvez eu tenha sido o único na redação a escrever João Almeida como vencedor da etapa. Vingegaard, mais uma vez, não atacou, contra-atacou ou tentou uma jogada. Não precisa de o fazer, mas, pela minha parte, não vai escapar a ser rotulado como um verdadeiro "chupa rodas".
Ele já faz o mesmo com Pogacar, agora com Almeida. Tenho um pressentimento que este Jonas, o Jonas do Angliru, não vai ganhar a Volta a Espanha. Querem apostar? Dos restantes homens que lutam pela geral, Pidcock sobreviveu ao dia, mas o seu lugar no pódio está ameaçado por Hindley e Gall. A luta pela camisola da juventude é feroz, com Pelizzari e Riccitelo separados por segundos. Ciccone, Bernal e Jorgenson passaram despercebidos. Torstein Traeen, surpreendentemente, continua firme no Top-10. Um aplauso para ele.
Juan Ayuso não conseguiu ajudar muito a sua equipa hoje
Rúben Silva (CyclingUpToDate)
Um dia interessante. Eu acreditava, e penso que a maioria concordaria comigo, que a Vuelta poderia ser virtualmente ganha hoje por Vingegaard, se ele conseguisse uma das suas proezas nas subidas. Não o fez, mas sim João Almeida, apoiado pelo trabalho mais sólido que a Emirates fez coletivamente até agora nesta corrida, com a subida de forma de Felix Grosschartner a ser uma grande notícia para a equipa. A Emirates agarrou a corrida pelos cornos e não deixou a Visma fazer o seu próprio trabalho.
Atrevo-me a dizer que, num final destes, não se fizeram diferenças na estrada mas psicologicamente sim, e João Almeida entrou na parte íngreme da subida final com toda a confiança. Tinha pernas para distanciar toda a gente menos o Vingegaard, mas aguentou o dinamarquês na descida final, algo que me surpreendeu, porque o Vingegaard conhecia este final e simplesmente não lançou nenhuma cartada e deixou o Almeida assumir a liderança nas curvas finais perigosas e em descida.
O resultado? Um impasse em teoria, mas um golpe psicológico de João Almeida que mostra que efetivamente PODE ganhar a Vuelta. 46 segundos em condições normais é uma diferença que só Tadej Pogacar poderia tirar a Vingegaard.
Mas estas não são condições normais, os dois chegaram com preparações muito diferentes para a Vuelta e não podemos dizer que a sua forma irá evoluir da mesma forma ao longo dos próximos dias. Um dia mau pode fazer perder 46 segundos a qualquer um deles, faltam pelo menos três chegadas em alto muito difíceis.
Longe da luta pela vitória, Jai Hindley deu o salto que eu tinha previsto, mostrou o seu melhor nível hoje e assumiu-se como candidato ao pódio final. E é possível que salte para o pódio já amanhã, embora Giulio Pellizzari esteja concentrado na sua própria camisola branca e seja pouco provável que nesta altura ajude a equipa a pressionar Tom Pidcock.
O próprio Pidcock correu como esperado, com um esforço de montanha muito forte, mas simplesmente não é um trepador tão bom como os seus rivais, pelo que não será fácil manter a sua posição atual até Madrid.
Félix Serna (CyclingUpToDate)
Que etapa, o Angliru traz-nos sempre etapas emocionantes e hoje não foi exceção. João Almeida foi muito corajoso hoje e foi o mais forte. Disse numa entrevista após a corrida que estava à espera que o Vingegaard atacasse a qualquer momento e ficou surpreendido por não o ter feito. Penso que não foi o único surpreendido, toda a gente estava à espera que ele fizesse isso.
Era a etapa rainha, a chegada ao mítico Angliru, e ele tinha sido privado de uma eventual vitórias há 2 dias devido aos protestos dos manifestantes (em Bilbau). Era o dia perfeito para um campeão como ele deixar a sua marca: deixar para trás toda a gente, chegar sozinho e aumentar a vantagem sobre os rivais. Mas não o fez, limitando-se a seguir na roda de João Almeida durante toda a subida.
Uma questão óbvia que se coloca é: não atacou porque não quis ou porque não conseguiu? Ele disse que estava um pouco desiludido por não ter conseguido ganhar hoje porque tinha marcado esta etapa, por isso acho que a conclusão é que o Almeida levou-o ao limite e ele não teve pernas para atacar. Seguir o ritmo do Almeida foi suficiente para o Jonas, o que é de facto muito promissor para as próximas etapas.
Não temos um Vingegaard muito dominante que vence facilmente toda a gente. Ele encontrou concorrência à altura, alguém que o consegue desafiar. Mesmo que aparentemente seja apenas um, é muito melhor do que nada. 46 segundos separam os dois ciclistas, com muitas etapas de montanha pela frente e um longo contrarrelógio individual.
Almeida recebeu forte apoio dos seus colegas de equipa hoje, exceto dos suspeitos do costume, mas isso não é uma novidade. Domen Novak, Jay Vine, Felix Grosschartner e até Ivo Oliveira (vindo da fuga) ajudaram e puxaram para o ajudar a atacar. Ayuso e Soler, por outro lado, não estavam em lado nenhum. O primeiro, por coincidência, perdeu o contacto com o pelotão logo no momento em que a sua equipa assumiu o controlo, enquanto Soler desapareceu a certa altura sem puxar um único metro. Coincidências mais uma vez.
Tom Pidcock teve dificuldades hoje, mas ainda assim não perdeu tanto quanto poderíamos imaginar depois de ter sido deixado para trás. O britânico geriu os seus esforços e ainda está em terceiro. É evidente que não consegue bater Vingegaard e Almeida, mas o pódio é uma oportunidade realista e algo que poucas pessoas pensavam que ele pudesse alcançar antes do início da corrida, especialmente depois do seu desempenho discreto no Giro.
O australiano (Jai Hindley) já sabe o que é ganhar uma Grande Volta (não esquecer que ganhou o Giro em 2022) e está a melhorar cada vez mais na Vuelta. Felix Gall também não está longe, pelo que vamos ter uma luta emocionante pela vitória na geral e, ao mesmo tempo, uma luta pelo pódio. A Vuelta está mais aberta do que nunca.
E você? O que pensa sobre o que aconteceu hoje? Deixe um comentário e junte-se à discussão!