Michael Storer não ganhou uma etapa na
Volta a França deste ano, mas o australiano de 28 anos acredita que a
Tudor Pro Cycling Team saiu com algo ainda mais valioso: atenção. Em conversa com Aidan Burgess no podcast DomestiqueHotseat, Storer falou sobre um mês de julho memorável, o seu primeiro Tour com a Tudor, destacando tudo, desde o altruísmo de Alaphilippe, às tácticas de tensão da equipa e à razão pela qual o sumo de cereja não é o segredo da recuperação.
Refletindo sobre uma das maiores surpresas da corrida, Storer não hesitou em apontar a realidade surrealista de ser apoiado pelo bicampeão mundial
Julian Alaphilippe. "É muito fixe quando o Julian está a correr por nós", disse. "Toda a gente sabe quem ele é, o que fez... Continuo a considerá-lo um dos melhores ciclistas do mundo. Falta-lhe apenas um pouco de condição física. Esperemos que no próximo ano, ou no final deste ano, ele encontre esse bocadinho que lhe falta. Depois será inverter os papéis, ver-me-ão a correr para ele".
Storer disse que a humildade de Alaphilippe se destacou. "Algumas pessoas com grandes egos não fariam isso... mas ele está empenhado na equipa". Em certas etapas, ofereceu-se para trabalhar para Storer sem precisar de ser solicitado pelos diretores. "Ele disse-me logo: nestes dias, eu ajudo-te".
Este apoio ajudou a produzir um dos desempenhos mais notáveis de Storer na corrida, um terceiro lugar na 6ª etapa. Ironicamente, ele não tinha planeado estar na fuga nesse dia. "Tivemos algumas analogias engraçadas, como 'o Michael ainda está no frigorífico a manter-se fresco', e era suposto eu ficar quieto até à 10ª etapa. Mas depois vi como a corrida se estava a desenrolar. Foram precisas mais de duas horas para que se formasse uma fuga e ninguém da nossa equipa estava nela. Por isso, segui o Simon Yates e acabou por ser essa a jogada".
A decisão de saltar para a frente não foi pré-aprovada, mas valeu a pena. "Naqueles dias em que fizemos duas horas de corrida e depois somos o tipo que segue apenas um movimento para a fuga, sentimo-nos muito maus".
A estratégia da Tudor, no entanto, não foi isenta de fricção. "Houve discussões antes da corrida, depois da corrida e na rádio sobre a tática", disse ele. "No final, tenho de fazer o que eles dizem".
Ele concordou com os fãs que pensavam que ele tinha perseguido demasiadas fugas. "Concordo plenamente. Mas a decisão não foi minha, foi da equipa".
Apesar de não ter conseguido a vitória, a Tudor foi considerada uma das equipas mais visíveis do Tour. "Sim, foi sem dúvida um sucesso. Estamos a brincar com o facto de não termos ganho uma etapa, mas conquistámos o coração dos fãs. Ganhámos nas redes sociais", afirmou Storer. "Especialmente o Julian. Depois de ele ter terminado em terceiro, o L'Équipe publicou uma foto enorme dele na primeira página. Acho que eles nem sabem quem ganhou a etapa".
Storer passou grande parte da corrida em fugas, incluindo várias com
Quinn Simmons. "Eu diria que é tudo respeito. Falei muito com ele durante o Tour. Se eu estivesse a ir para uma fuga, ele seria uma das pessoas que eu esperaria que estivesse lá também. Aquele tipo faz grandes números. Se precisarmos de parar o pelotão, é ele. Mas se precisarmos de o vencer, isso é um problema".
Segundo Storer, as fugas modernas não têm nada a ver com o que eram antigamente. "As fugas de 10 minutos acabaram. Agora é tudo uma questão de forçar a fuga. O pelotão não nos deixa ir, tem de ser quebrado. Isso torna a corrida extremamente difícil".
Apontou as condições perigosas das estradas e a má preparação fora do Tour como parte do problema. "É por isso que caímos em linha reta, como fizemos em Nápoles no Giro. A estrada estava imunda. Eu sabia que íamos todos cair nesse dia".
Storer também não se coibiu de comentar a caça seletiva de
Tadej Pogacar às etapas. "Pelo menos num dia, tive informações de que o Tadej decidiu não ganhar essa etapa. Acho um pouco estranho que a equipa ande a todo o gás durante todo o dia e depois, na última subida, decida não ganhar. Se não queres ganhar a etapa, decide-o com antecedência".
A mudança de Storer da Groupama - FDJ para a Tudor foi mais do que uma questão de bicicletas, foi uma questão de ser valorizado. "Queria ir para uma equipa que se preocupasse em tornar-me bom. A Groupama não tem a melhor estrutura de apoio, esperam que sejamos bons, mas não fazem nada para nos ajudar a ser bons ciclistas".
Na Tudor, as coisas são diferentes. "Sou praticamente o mainguy deles. Por isso, estão a pôr muitos recursos atrás de mim para me ajudarem a ser bom".
Quanto a
Fabian Cancellara, o grande nome da equipa e coproprietário, o seu papel é em grande parte simbólico. "Ele não tem grande influência no dia a dia. O seu verdadeiro papel é mais de embaixador".
Um tema que Storer achou particularmente ridículo? Os relógios nas corridas. "Os ciclistas estão tão concentrados na aerodinâmica que usam relógios no pulso. Não faz sentido".
Ele também descartou os exagerados truques de recuperação. "Não há nenhuma poção mágica de sumo de cereja que vá melhorar a tua recuperação. Talvez seja 0,1% da tua recuperação. Se eu fosse um amador, não estaria a comprar sumo de cereja".
Questionado sobre as mudanças que gostaria de ver no desporto, Storer não se conteve. "A regra do guiador é estúpida. Os guiadores mais largos são provavelmente mais perigosos. O sistema de pontos da UCI também é estúpido. Se fosse assim, estaríamos no WorldTour no final desta época. E deviam varrer as estradas antes das corridas. É por isso que às vezes caímos em linha reta".
O seu conselho para os juniores foi tão ponderado quanto prático. "É nos sub-19 que temos de ser bons se quisermos tornar-nos profissionais. Concentra-te na escola. Faz a escola o melhor que puderes, é a única altura em que tens educação gratuita. Faz o teu treino de forma eficiente e tem uma vida social. Isso prepara-te para um futuro melhor".