Tom Dumoulin retirou-se do ciclismo profissional aos 31 anos, uma saída prematura de uma modalidade onde conquistou muito. Uma vitória na Volta a Itália, um título mundial, um pódio na Volta a França e várias vitórias de alto nível compõem uma das carreiras mais impressionantes do ciclismo moderno. Contudo, o neerlandês teve anos finais difíceis e acabou por perder a paixão pelo que fazia, sentindo-se desligado da forma como foi tratado nos seus últimos anos na
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“Agora consigo olhar para esse período difícil com gratidão, porque também me trouxe muito”, disse ao De Pacer. “Não fui nada feliz durante alguns anos. Queria ser corredor em algum lado e não estava pronto para parar, mas o meu corpo inteiro estava em luta. Tive lesões sérias, o que me deixou constantemente a sofrer. Sentia-me mal porque também sentia a pressão na Jumbo-Visma. Treinava e corria mal, fazia tudo para voltar ao nível”.
Até 2018, a evolução de Dumoulin foi notável e era um dos melhores do mundo. Nesse ano, com a camisola arco-íris de contrarrelógio, foi segundo na Volta a Itália e na Volta a França. Em 2019 caiu na Volta a Itália, abandonou a corrida e acabou por terminar a temporada após necessitar de cirurgia antes da Volta a França.
Em 2020 encontrou um novo ambiente, na Visma, mas nunca houve sintonia com a equipa neerlandesa. Em 2020, o coletivo trabalhou para a geral de Primoz Roglic, com Dumoulin como gregário-chave, mas o possível título perdeu-se no penúltimo dia.
“Ainda não vi esse documentário da Volta a França 2020. Não me apetece rever uma fase em que estava a passar por um período realmente difícil. Não me senti protegido pela minha equipa”, admite. E assume que não concorda com o que a equipa fez na altura, expondo momentos entre corredores de forma tão pública. “Quanto a mim, esse documentário nunca deveria ter sido lançado nos Países Baixos daquela maneira”.
Tom Dumoulin celebra a vitória do colega Koen Bouwman na Volta a Itália 2022, a última da sua carreira
Um produto, não um ser humano
No fim, pode argumentar-se que a passagem de Dumoulin pela Visma foi decisiva para o desfecho da carreira, embora a responsabilidade não seja só da equipa neerlandesa. Ainda assim, Dumoulin não suaviza: “Cheguei a sentir-me quase como um produto, não um ser humano com sentimentos”.
Lamenta isso, com questões psicológicas que não foram tratadas com sucesso entre 2020 e 2022. Acabou por anunciar a retirada logo após a Clásica San Sebastian de 2022. Nessa altura, as suas prestações já estavam muito aquém do que conseguira antes. “Com a consciência que existe hoje, a minha carreira teria durado mais. Ao mesmo tempo, tenho orgulho quando olho para trás. Não me arrependo das escolhas que fiz: não tenho remorsos e não culpo ninguém por nada”.
“Acho que os melhores momentos foram as minhas vitórias. A certa altura, estava numa encruzilhada. Percebi que não correspondia às expectativas e tinha de recuar como corredor. Perguntaram-me se queria correr como Robert Gesink e Tony Martin nos últimos anos das suas carreiras (em funções de gregário e capitão de estrada), quando passaram a trabalhar para os líderes. Mas nunca vi isso como uma opção para mim”.