"Não tinha alegria em competir. Perdi-me como pessoa" Fem van Empel fala abertamente sobre os problemas psicológicos que a obrigaram a parar na primavera

Ciclismo
quinta-feira, 16 outubro 2025 a 19:00
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Apenas seis semanas depois de conquistar o seu terceiro título mundial consecutivo de Ciclocrosse, Fem van Empel surpreendeu o mundo do ciclismo ao anunciar uma pausa por tempo indeterminado. Em março de 2025, a jovem neerlandesa de 23 anos abandonou discretamente o Trofeo Binda, precisamente quando a época de Clássicas estava a começar. Para a ciclista mais dominante do ciclocrosse feminino, foi uma decisão inesperada, mas como ela agora admite em entrevista ao Het Nieuwsblad, o afastamento já vinha a ser ponderado há algum tempo.
“Depois do terceiro título mundial, deixei de gostar de ciclismo”, confessou Van Empel. “As pessoas não sabiam que eu já não encontrava, nem tinha, qualquer alegria em competir. Perdi-me como pessoa, devido ao meu perfeccionismo.”
Desde que ascendeu ao topo em 2022, Van Empel reescreveu a hierarquia da disciplina. Três títulos mundiais consecutivos, três coroas europeias e cerca de 60 vitórias em apenas três temporadas confirmaram-na como a figura dominante da sua geração. Mas por detrás da aparente invencibilidade, crescia um vazio. “Por causa do meu perfeccionismo, concentrava-me apenas naquilo em que era boa”, explicou. “Analisava todos os pormenores. O treino, alimentação, descanso. Se falhasse em qualquer um deles, questionava-me se estava pronta. Hoje vejo que era absurdo. Eu era mais uma atleta do que uma pessoa.”
Quando triunfou em Hoogerheide em 2023, esperava-se que fosse o ponto culminante da sua meteórica ascensão. No entanto, marcou o início de uma crise de identidade. “Senti um enorme alívio”, recorda. “Mas no dia seguinte pensei: e agora? Continuei a ganhar e depois de cada vitória, era segunda-feira outra vez, com um novo objetivo à vista.”
Fem Van Empel vai defender a Arco Íris em fevereiro
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Redescobrir o equilíbrio

No início da primavera de 2025, Van Empel percebeu que algo tinha de mudar. Reuniu-se com a sua equipa, a Team Visma | Lease a Bike, e confessou que já não conseguia continuar na mesma rotina. A seguir, talvez pela primeira vez em anos, decidiu abrandar.
“Soube-me bem comer um gelado depois da reunião com a equipa. Nunca me tinha permitido fazer isso antes”, contou. “Durante esse período, deixei completamente o ciclismo. Comecei a correr, a fazer longas caminhadas com o meu tio, por vezes de 30 quilómetros. Fazia tudo o que me apetecia.”
O afastamento deu-lhe espaço para se reconectar com a vida fora da bicicleta. Dedicou-se à cozinha, à jardinagem e conversou com outros atletas que tinham vivido dilemas semelhantes. “As pessoas à minha volta notaram rapidamente que eu estava diferente, mais aberta, mais sociável”, disse. “Isso fez-me perceber que precisava de ser fiel a mim própria. Comecei a perguntar-me o que é que realmente gosto de fazer.”

Aprender a deixar fluir 

Quando regressar ao ciclocrosse no inverno de 2025/26, Van Empel fá-lo-á com uma mentalidade diferente. “É uma modalidade variada, exigente e com um ambiente familiar. É o mundo onde me sinto mais em casa”, afirmou sobre a modalidade que a transformou numa estrela. “Não preciso de descobrir o que posso alcançar na estrada. Pelo menos, agora não.”
Também aprendeu a encarar a pressão de forma mais leve. “Competimos por nós e por mais ninguém”, explicou. “Dar uma opinião é fácil, mas acho que a maioria das pessoas não percebe o impacto que certos comentários podem ter numa jovem atleta. Quando ganhas um título mundial, recebes centenas de mensagens de parabéns, mas os poucos que dizem que não o merecias... são esses que ficam contigo.”
Apesar da nova perspectiva, a competitividade continua viva. Depois da corrida que marcará o seu regresso em Ruddervoorde, Van Empel vai alinhar na Nacht van Woerden e em Heerderstrand, com os olhos postos em Hulst, em fevereiro, onde tentará defender pela quarta vez consecutiva a Camisola Arco-Íris. “Ainda não acabei”, garantiu. “Quero aproveitar este inverno com as faixas arco-íris, algo que provavelmente não o fiz suficientemente nos últimos anos. Continuo a ser competitiva e quero ganhar sempre, mas quando a corrida termina, também quero ser capaz de relaxar.”
A franqueza de Van Empel oferece um raro vislumbre do custo mental do sucesso prolongado. A sua jornada do perfeccionismo e da pressão para o equilíbrio e a autoaceitação reflete uma discussão mais ampla no desporto de elite, uma que lembra até aos campeões mais dominantes que a alegria, e não apenas a vitória, define uma carreira.
Com o início da época de ciclocrosse 2025/26, a campeã do mundo parece pronta para redescobrir o que a levou à lama: a liberdade, a diversão e o puro prazer de pedalar. E essa pode ser, paradoxalmente, a sua maior arma nesta nova fase.
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