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Campeonato do Mundo começa hoje no Ruanda, assinalando a primeira vez que o maior evento anual do ciclismo decorre em solo africano. As provas de contrarrelógio em Kigali inauguram uma semana histórica para a modalidade, mas este momento também faz eco de outra ocasião em que o desporto saiu da sua zona de conforto europeia. Em 1995, o pelotão viajou até Duitama, na Colômbia, para um Campeonato do Mundo que ficou marcado tanto pelo fascínio como pela tensão.
O neerlandês Erik Breukink, então em final de carreira, falou à Wieler Revue sobre o ambiente único que viveu na Colômbia. O pano de fundo era explosivo: Pablo Escobar tinha sido abatido menos de dois anos antes, os líderes do Cartel de Cali foram presos meses antes da prova, e grupos guerrilheiros como as FARC e o ELN mantinham o país em alerta. Para os ciclistas, o risco de raptos era real.
"Não só havia soldados com metralhadoras durante os ataques, como também se viam militares armados por todo o lado. Não era permitido sair sozinho, havia medo de que alguém fosse raptado", recorda Breukink.
A beleza natural da Colômbia contrastava com a sensação permanente de perigo. "É um país lindíssimo, mas estranho estar sempre rodeado de soldados. Ficávamos sobretudo no hotel, não era possível ir à cidade. Não explorei quase nada para além do que a organização mostrou", confessou o antigo corredor.
Breukink dividia a equipa com Oliverio Rincón, herói local que tinha vencido uma etapa da Volta a França em 1993. Foi através dele que o neerlandês percebeu a dimensão do risco no quotidiano colombiano. "O Oliverio disse-me que, no seu país, era melhor não ficar demasiado rico com o ciclismo. Quanto mais riqueza, maior a probabilidade de seres alvo. Foi isso que me explicou antes da corrida".
As advertências não eram exagero. "Percebi rapidamente que não era seguro. Sabia do tráfico de droga e dos raptos, mas não tínhamos noção completa do que podia acontecer. Foi uma experiência marcante, porque havia de facto ameaças", acrescentou Breukink.
Três décadas depois, com Kigali a receber o primeiro Mundial africano, a expectativa é que o ciclismo viva uma celebração em condições bem diferentes. Se em Duitama o medo nunca esteve longe, no Ruanda a esperança é que a segurança permita aos ciclistas focarem-se unicamente na corrida e na luta pela camisola arco-íris.