Urska Zigart inicia hoje a sua campanha no
Campeonato do Mundo de Kigali, representando a Eslovénia tanto no contrarrelógio como na corrida de estrada. Muitas vezes apresentada como a namorada de
Tadej Pogacar, a ciclista de 28 anos tem vindo a afirmar-se pela sua própria carreira e chega a esta semana com a determinação de o sublinhar. Mas antes da luta contra o cronómetro, Zigart falou sobre outro tema que tem dominado o ciclismo feminino em 2025: a vitória de
Pauline Ferrand-Prévot na Volta a França Feminina e a polémica em torno da sua perda de peso.
"Considero-me sortuda por ter tido essa experiência antes de entrar no ciclismo profissional, por isso agora conheço as armadilhas e sei o que quero e o que não quero", disse à Siol. "Vejo isso como uma pequena bênção".
A eslovena explicou que o ambiente em que cresceu como atleta foi determinante na forma como encara a profissão. "Sempre tive muita sorte nesse aspeto, com as equipas e o contexto em que estive. Na GreenEdge, a prioridade era sempre comer o suficiente. Nunca senti pressão para sermos mais magras do que já éramos".
O caso Ferrand-Prévot
O debate sobre o físico de Ferrand-Prévot estendeu-se durante todo o verão. A francesa, já campeã do mundo em várias disciplinas, surpreendeu pela sua forma no Tour, meses depois de vencer em Roubaix. A perda de peso visível tornou-se rapidamente assunto de comunicação social e de pelotão. Zigart acredita, no entanto, que muitas vezes o foco não é o mais relevante. "É importante perceber que nenhum desporto profissional é saudável, infelizmente, é assim que as coisas são".
A atleta deixou também um aviso direto sobre os limites do corpo: "O corpo não consegue funcionar normalmente se comermos demasiado pouco. Nem no dia a dia, muito menos em modalidades tão exigentes como o ciclismo".
Zigart não está sozinha nesta reflexão. Demi Vollering, vice-campeã no Tour, admitiu recentemente sentir as mesmas pressões. "Percebo, isto é desporto. Há entusiasmo e opiniões. Mas quero deixar claro: todas as decisões da minha carreira são tomadas colocando a minha saúde em primeiro lugar. Sempre. Não fui feita para ser a ciclista mais leve do pelotão e não quero forçar o meu corpo a algo que não é".
Vollering foi mais longe ao falar sobre o peso que as ciclistas de topo têm como referência para as mais novas. "As raparigas observam-nos. Vêm o que dizemos, o que mostramos, o que é celebrado como o caminho para o sucesso. Às vezes, isso planta uma semente silenciosa. Pode não se notar logo, mas com o tempo torna-se prejudicial. Temos responsabilidade enquanto atletas, equipas e desporto em geral: criar ambientes seguros para que as jovens possam falar, fazer perguntas e receber a orientação certa. Porque o risco é real, a saúde nem sempre é visível e os pensamentos desordenados podem permanecer escondidos durante muito tempo".
Ferrand-Prévot responde
A própria Ferrand-Prévot respondeu às críticas no mês passado. "Pessoal, tenho 33 anos. Sei o que estou a fazer", disse. "E, para quem me segue, sempre mostrei o que como de forma intuitiva. Mas desde esta ‘polémica’, penso duas vezes antes de o fazer. E isso não é correto".
Zigart, apesar de satisfeita por o assunto estar a ser discutido, reconheceu que a forma como o debate foi conduzido nem sempre foi saudável. "Pessoalmente, não gostei da discussão, porque parecia que as raparigas se estavam a virar umas contra as outras. Não acho que seja essa a forma correta de lidar com o tema".
Para ela, a motivação por trás das escolhas de cada atleta deve ser melhor compreendida. "A questão fundamental é perceber porque é que alguém decide perder peso. A Pauline fê-lo porque estava a preparar-se para um objetivo específico: a Volta a França. Tem 33 anos, foi ciclista toda a vida e sabia exatamente o que estava a fazer. Para ela, não se tratava de obsessão com comida ou aparência, mas de uma escolha consciente e ligada ao seu trabalho".
Žigart sublinhou, porém, que esta decisão não pode ser encarada como modelo para as gerações mais jovens. "Claro que não é correto encorajar todas as ciclistas a seguir esse caminho, mas é verdade que muitas já percebem que isso pode ser necessário para vencer o Tour".
Equilíbrio e paciência
Na sua perspetiva, o segredo para uma carreira sólida está no equilíbrio e no tempo de aprendizagem. "É importante explicar às mais jovens que as primeiras épocas são sobretudo de desenvolvimento, especialmente se tiverem apoio e um lugar estável numa equipa. Primeiro, é preciso crescer, manter-se saudável, e só depois pensar em otimizar em todas as áreas".