Num desporto obcecado pelos ganhos marginais, onde tudo é medido ao detalhe – dos testes no túnel de vento ao lactato no sangue – ainda há um território pouco explorado no pelotão. Para
Martijn Tusveld, ex-ciclista do World Tour, o próximo passo é a mente.
O holandês, que ao longo da carreira passou pelas três Grandes Voltas com a então
Team Picnic PostNL, defende que o lado psicológico do rendimento continua a ser uma preocupação secundária para muitas equipas. Um verdadeiro ponto cego numa era dominada pelos dados.
"São poucas as equipas que empregam um psicólogo desportivo", afirmou à Procycling. "Na maioria das vezes é um consultor externo, que o próprio ciclista tem de procurar, ou alguém que só aparece quando há um problema. Mas acredito que isso vai mudar. A próxima grande inovação no ciclismo será a atenção pessoal à mente."
BEAT Cycling como laboratório mental
A perspetiva de Tusveld não vem de fora, mas da sua própria experiência. Depois de não ver o contrato renovado no final de 2024, parecia destinado a abandonar as corridas e a retomar os estudos em psicologia. Porém, encontrou na
BEAT Cycling – equipa continental neerlandesa com abordagem progressiva – um ambiente diferente, onde a psicologia é parte da estrutura competitiva.
Na BEAT, o trabalho mental é integrado no quotidiano da equipa, com Lex Ligtenberg a desempenhar o papel de treinador mental interno. "Tem sido ótimo combinar os meus estudos com a competição, sobretudo numa equipa onde o lado psicológico é levado a sério", explicou Tusveld. "Continuo a acreditar que há muito a ganhar no ciclismo quando se trata do cérebro."
Essa convicção assenta em experiências pessoais. Em 2014, após um notável 4º lugar na Liège-Bastogne-Liège Sub-23, o holandês sentiu o peso das expectativas. "Não consegui repetir o resultado e percebi que, noutras corridas, quando tinha expectativas, o meu desempenho era pior. Mas quando não tinha, corria bem", recordou. "Foi nessa altura que comecei a trabalhar com um treinador mental. Eu nem sequer sabia como reconhecer a pressão, quanto mais lidar com ela. Esse processo deu-me ferramentas que ainda hoje utilizo."
O estado actual no pelotão
Embora haja progressos, a integração plena da psicologia de desempenho ainda está longe de ser uma regra. Algumas equipas, como a
Team Visma | Lease a Bike e a
EF Education-EasyPost, já contam com departamentos estruturados nesta área. Contudo a maioria continua a depender de soluções pontuais, deixando sobretudo os jovens ciclistas entregues a si próprios quando o tema é a gestão mental.
"Não é que as equipas não se preocupem", observa Tusveld. "Mas o treino mental ainda não está incorporado no sistema diário, como acontece com a nutrição ou o treino físico. No entanto, pode ser o que separa o sucesso da estagnação, sobretudo quando há pressão, lesões ou contratempos pessoais."
Importa distinguir entre saúde mental clínica e psicologia de desempenho. A primeira diz respeito ao bem-estar, a segunda foca-se em ferramentas concretas para lidar com a pressão, manter a concentração e desenvolver resiliência. Competências que, segundo Tusveld, são tão decisivas como os watts ou a aerodinâmica.
O futuro próximo
À medida que as equipas continuam a investir em ganhos marginais, a mudança parece inevitável. "Todos os ciclistas, em algum momento, enfrentam questões mentais que influenciam o desempenho", afirma o holandês. "Pode não ser óbvio, mas está lá. O esgotamento, pressão, medo de falhar, falta de motivação. Se aprendermos a lidar com isso mais cedo, o retorno será enorme. Ainda estamos só a arranhar a superfície. Daqui a dez anos vamos perguntar-nos porque é que não levámos isto mais a sério mais cedo."