O ciclismo de estrada combina velocidade e imprevisibilidade como poucos desportos. Durante horas, os corredores rodam em pelotões compactos a 60 km/h ou mais, equilibrados em pneus estreitos e a reagir no instante a cada movimento. Um deslize mínimo, uma travagem a fundo, uma roda que derrapa, pode desencadear uma queda. Apesar dos riscos, os acidentes catastróficos são raros no enorme volume competitivo de cada época. Afinal, quão perigoso é este desporto na realidade?
Chegadas ao sprint, descidas de montanha e contrarrelógios têm perigos distintos, e a evolução de material, regulamentos e desenho de percursos reflete o esforço contínuo para proteger os corredores. Mas quão seguro é hoje o ciclismo?
Chegadas ao sprint
As chegadas ao sprint são os momentos mais voláteis. Nas etapas planas, dezenas de sprinters e lançadores disparam para a meta a 70–80 km/h, todos à procura de um corredor limpo. Um erro de julgamento pode deitar vários ao chão.
A Volta à Polónia de 2020 ofereceu um lembrete brutal. Nos metros finais,
Fabio Jakobsen foi projetado contra as barreiras quando outro corredor desviou da sua trajetória. O impacto foi violento. Jakobsen recordou mais tarde: “Íamos a 84 km/h, por isso não tens muito tempo para reagir… As barreiras não me travaram. Limitaram-se a ceder.” Sofreu graves lesões faciais, mas sobreviveu. A UCI condenou o desvio de
Dylan Groenewegen e suspendeu-o por nove meses.
Quedas são uma parte infeliz do ciclismo profissional
Estes episódios sublinham como as chegadas podem ser estreitas. Dados do grupo de segurança SafeR da UCI mostram que quase metade de todas as quedas no WorldTour ocorre nos últimos 40 quilómetros, sobretudo nas aproximações ao sprint. Outro relatório da UCI atribui cerca de 13% das quedas à tensão acumulada rumo a sprints ou finais em alto, com pisos escorregadios a causarem aproximadamente 11%.
Para reduzir o caos a alta velocidade, a UCI alargou a tradicional regra de proteção de tempo dos 3 km até 5 quilómetros em algumas etapas, dando mais margem ao pelotão. As barreiras também foram redesenhadas: após anos com vedação metálica fina, as grandes corridas usam agora estruturas mais robustas e absorventes de energia, testadas para não colapsarem no impacto. O SafeR continua a testar novos padrões de vedações para maior fiabilidade.
As equipas investem ainda mais na colocação e na técnica de sprint seguro. Os corredores estudam os quilómetros finais, os carros passam avisos pelo rádio, e os comboios de lançamento tentam deixar o sprinter em posição limpa para os últimos 200 metros.
Mesmo assim, alguns desenhos de percurso continuam discutíveis. O próprio Jakobsen afirmou: “Temos de eliminar finais perigosos como este”, deixando claro que o traçado é decisivo para a segurança. Por vezes, os organizadores alargam as retas finais ou retiram curvas apertadas após análises de risco. A combinação de velocidade e congestionamento nunca elimina totalmente o perigo, e muitos sprinters encaram uma época sem incidentes como uma verdadeira conquista.
Descidas de montanha
As descidas de montanha trazem outro patamar de risco. Em rampas alpinas, é comum superar os 90 km/h, negociando vias estreitas, cotovelos fechados e taludes expostos. O menor erro pode ser fatal, como na morte de Wouter Weylandt durante a Volta a Itália de 2011. Weylandt caiu no Passo del Bocco, sofreu ferimentos mortais na cabeça e tinha apenas 26 anos.
A mesma vulnerabilidade voltou a evidenciar-se em 2023,
quando Gino Mäder caiu numa descida rápida na Volta à Suiça e foi projetado para uma ravina. Viria a falecer devido aos ferimentos. A etapa terminava ao sopé do Albula Pass, decisão criticada por muitos corredores.
Gino Mäder faleceu após uma queda em 2023. @Sirotti
O mau tempo agrava o perigo. A chuva transforma marcações, grelhas metálicas e alcatrão liso em armadilhas, e as estatísticas da UCI apontam consistentemente as descidas como pontos críticos de quedas, sobretudo em piso molhado.
As equipas dedicam hoje mais treino à técnica de descida, e alguns líderes recebem instruções para reduzir a agressividade com chuva. Após a morte de Mäder, discutiu-se a instalação de redes nas encostas, à semelhança do esqui alpino, para evitar quedas em ravinas. Algumas provas já neutralizam setores perigosos ou alteram metas para contornar declives com grandes desníveis.
Contrarrelógios
Os contrarrelógios, embora geralmente mais calmos do que as etapas em linha, têm riscos próprios. Os corredores competem isolados, muitas vezes em posições aerodinâmicas agressivas que limitam visão e manobrabilidade. As velocidades são elevadíssimas e um erro numa curva pode resultar em lesões graves.
Os contrarrelógios raramente produzem quedas em massa, mas quando acontecem as consequências podem ser graves, porque os corredores têm pouco tempo para reagir se perdem o controlo. Uma análise dos fatores de queda concluiu que, embora velocidades mais altas aumentem apenas marginalmente a probabilidade de queda, elevam significativamente a força do impacto.
Isto levou a UCI a testar limites de desmultiplicações para moderar as velocidades máximas. As regras de equipamento continuam a evoluir, em particular no que toca a aros hookless, sistemas de travagem e designs de guiador, todos escrutinados para garantir prestações seguras.
Os desenhadores dos percursos evitam cada vez mais estradas de montanha estreitas nos contrarrelógios e posicionam veículos médicos ou de assistência neutra nas curvas mais traiçoeiras. Estas opções ajudam a manter os contrarrelógios relativamente seguros, embora as posições extremas do corpo e as velocidades elevadas impliquem riscos inerentes.
O terreno e o clima moldam a segurança dos corredores em todas as disciplinas. Muitas estradas de montanha não foram construídas para corridas de bicicleta e oferecem pouco escape; pense em subidas lendárias como o Stelvio ou o Tourmalet, cenários magníficos mas também longos troços sem barreiras, com desníveis acentuados a poucos metros da linha de corrida.
Basta recordar o precipício na descida de Tom Pidcock, em 2022, no Col du Galibier…
Mesmo as etapas planas em meio urbano podem terminar perigosamente se canalizarem o pelotão por chicanes estreitas ou curvas de ângulo fechado. Os organizadores fazem reconhecimento prévio e, por vezes, alteram o percurso se um troço se revelar inseguro.
Meteorologia
O tempo continua a ser um fator decisivo. A chuva é uma das principais causas de quedas, com dados da UCI a indicarem que superfícies molhadas ou escorregadias perigosas estão na origem de cerca de 11–12% das quedas. O calor, por seu lado, afeta a segurança de forma indireta: temperaturas extremas reduzem a concentração e abrandam os reflexos. Para mitigar, a UCI permite zonas de abastecimento adicionais durante ondas de calor e em subidas longas. O vento cruzado é outro perigo, capaz de empurrar os corredores lateralmente ou de fraturar o pelotão em leques, aumentando a tensão e o risco de toques.
A dinâmica de corrida também pesa muito nas quedas. O pelotão comprime e estica constantemente, e os incidentes mais graves surgem muitas vezes em pontos táticos críticos, como a aproximação a um sprint, a entrada de uma subida ou a passagem por setores de empedrado.
As autoridades estimam que a pressão em torno desses momentos cause cerca de 13% das quedas. Além disso, a presença de motas e carros de apoio acrescenta outra camada de complexidade. A UCI passou a punir condução insegura de veículos com avisos em estilo “cartão amarelo”, e o comité SafeR monitoriza o comportamento do pelotão de apoio para evitar casos em que os veículos se aproximem perigosamente dos corredores.
Várias quedas mediáticas continuam a moldar as medidas de segurança da modalidade, mas uma que ainda não mencionámos ocorreu em 2024.
O Campeonato do Mundo de 2024 foi abalado pela morte da suíça
Muriel Furrer, de 18 anos, que caiu numa descida encharcada durante a prova de estrada de Juniores Femininos e
morreu mais tarde no hospital devido a graves lesões na cabeça. A polémica adensou-se quando surgiram relatos de que a ciclista permaneceu durante um longo período sem ser vista, na zona arborizada junto ao percurso, antes de ser encontrada, levantando questões urgentes sobre localização de corredores, resposta de emergência e segurança do traçado. Corredores, equipas e adeptos exigiram esclarecimentos sobre porque é que os avisos acerca da descida perigosa não foram mais considerados.
Riscos políticos
A Volta a Espanha de 2025 expôs um novo tipo de perigo para o ciclismo de estrada: protestos políticos a interromper corridas e a colocar a segurança dos corredores em risco. Várias etapas foram alteradas, neutralizadas ou canceladas, com grandes multidões a bloquearem estradas e a desmontarem barreiras, tendo como alvo a Israel – Premier Tech.
Na 10ª etapa, manifestantes entraram na estrada, desencadeando uma queda. A 11ª etapa foi interrompida perto da meta, em Bilbau, porque os protestos invadiram os metros finais, forçando os organizadores a declarar a ausência de vencedor. A etapa final em Madrid
foi totalmente anulada depois de manifestantes pró-Palestina terem tomado o percurso, derrubado barreiras e enfrentado a polícia, com mais de 10 000 pessoas reportadas nas ruas.
A Vuelta 2025 ficará para sempre associada aos protestos. @Sirotti
A polícia foi mobilizada em força, mas a escala da perturbação mostrou como a agitação política pode transformar rapidamente uma corrida cuidadosamente controlada num ambiente caótico e inseguro. E este caso expôs, de facto, a vulnerabilidade do ciclismo ao protesto, enquanto desporto tão acessível.
No conjunto, as melhorias de segurança ao longo do tempo foram significativas. A obrigatoriedade do capacete, introduzida em 2003 após a morte de Andrei Kivilev, foi um momento de viragem e evitou inúmeros traumatismos cranianos. A expansão da regra dos 3 km, a aplicação mais rigorosa de zonas neutralizadas e uma supervisão mais apertada de condutas perigosas traduzem uma abordagem cada vez mais proativa. A iniciativa SafeR, lançada em 2023, audita percursos, recomenda alterações e revê quedas semanalmente. Em 2024, a UCI anunciou novas medidas, incluindo cartões amarelos por comportamento temerário, regras refinadas de cronometragem em sprints e normas mais estritas para comunicações por rádio.
Estas mudanças refletem uma alteração cultural. Os corredores levantam a voz com mais frequência perante elementos inseguros, e a UCI e os organizadores têm mostrado maior disponibilidade para modificar percursos, ajustar procedimentos ou cancelar secções quando as condições são inaceitáveis. Embora o desporto nunca elimine totalmente o risco, o efeito combinado de melhor regulamentação, desenho mais inteligente, equipamento evoluído e monitorização constante tornou as corridas muito mais seguras do que no passado. Ainda assim, as quedas graves recentes lembram que o risco continua presente.