Em 2025, o ciclismo feminino viverá um momento histórico com a edição inaugural da Milano-Sanremo Feminina. Durante mais de um século, a versão masculina desta prova tem sido uma das corridas de um dia mais prestigiadas e exigentes do calendário, celebrada pela sua história, imprevisibilidade e capacidade de consagrar os grandes campeões do ciclismo mundial.
A introdução de uma edição feminina era uma decisão há muito aguardada e representa um passo significativo na contínua expansão do ciclismo feminino de elite. No entanto, porque foi necessário esperar até 2025 para que esta corrida se tornasse realidade? E qual será o impacto da sua criação para o desporto?
História
A Milan-Sanremo ocupa um lugar único na história do ciclismo. Como primeiro Monumento da temporada, tem sido um palco de grandes combates entre as lendas da modalidade. O seu percurso de quase 300 quilómetros, que liga a cidade industrial de Milão à pitoresca Sanremo, testa os limites da resistência e da estratégia dos ciclistas.
Diferente das clássicas empedradas como a Paris-Roubaix oua Volta à Flandres, que se realizam mais tarde na primavera, a Milan-Sanremo permite que ciclistas de diferentes perfis possam brilhar. Sprinters, trepadores e corredores versáteis encontram oportunidades de glória, dependendo do desenrolar da corrida. As icónicas subidas da Cipressa e do Poggio, já perto do final, juntamente com a enorme distância percorrida, criam um desfecho imprevisível, onde um ataque no momento certo pode ser decisivo para a vitória.
Apesar da sua enorme relevância, a edição feminina da Milan-Sanremo nunca foi introduzida no século XX, ao contrário do que aconteceu com outras Clássicas. Durante décadas, o ciclismo feminino enfrentou barreiras estruturais que limitaram o seu crescimento, incluindo a falta de investimento, de cobertura mediática e a relutância dos principais organizadores em expandir os seus eventos para incluir mulheres.
Corridas como a Liège-Bastogne-Liège e a Volta à Flandres já tinham implementado versões femininas, mas a Milan-Sanremo continuou sem o fazer. Um dos principais fatores que atrasaram a sua introdução foi a grande extensão da corrida. A versão masculina, com os seus quase 300 quilómetros, é a mais longa prova profissional de um dia no calendário. Historicamente, os organismos reguladores e organizadores de provas mostraram-se relutantes em promover corridas femininas de duração semelhante, invocando argumentos ultrapassados sobre os limites físicos das ciclistas.
No entanto, à medida que o ciclismo feminino evoluiu, quebrando barreiras com corridas cada vez mais exigentes, este argumento perdeu força. Mudanças recentes nas estruturas competitivas e a crescente exigência por parte das atletas e adeptos impulsionaram o desporto para uma maior equidade. Ao contrário de outras Clássicas, cujas edições femininas podiam ser inspiradas nas versões masculinas, a Milan-Sanremo apresentava desafios únicos, desde a sua distância excecional até ao seu desfecho tático imprevisível. Os organizadores tiveram de encontrar uma forma de adaptar a corrida ao pelotão feminino sem comprometer a sua identidade.
Antes de 2025, foram feitas várias tentativas para criar corridas femininas de prestígio em Itália, mas nenhuma teve o impacto histórico de um Monumento. O Trofeo Alfredo Binda, presente no calendário desde 1974, oferecia um percurso exigente, mas sem a grandiosidade de uma verdadeira Clássica. Já a Volta a Itália feminina estabeleceu-se como uma das mais importantes provas por etapas, mas não preenchia a lacuna de uma grande clássica italiana de um dia.
A pressão para a criação da Milan-Sanremo Feminina cresceu na última década, acompanhando a ascensão do ciclismo feminino. Com mais investimento, equipas mais estruturadas e maior cobertura televisiva, tornou-se impossível justificar a ausência desta corrida. O sucesso da Paris-Roubaix Femmes, lançada em 2021, demonstrou que a procura por edições femininas de corridas lendárias era essencial para o crescimento da modalidade. A prova francesa tornou-se rapidamente um dos momentos altos da época, reforçando a ideia de que o ciclismo feminino merecia um lugar entre os grandes Monumentos.
Com a criação da Milan-Sanremo Feminina em 2025, os organizadores reconheceram a importância da igualdade e responderam ao apelo por mais corridas femininas de elite. A introdução desta prova permitirá às ciclistas competir no mesmo palco icónico que definiu o ciclismo masculino ao longo de mais de um século.
Embora o percurso da edição feminina tenha uma extensão reduzida (156 km), manterá os elementos-chave que caracterizam a versão masculina, incluindo as subidas da Cipressa e do Poggio, que tantas vezes foram palco de ataques decisivos.
O impacto no ciclismo feminino
O significado da Milan-Sanremo Feminina vai além da simples adição de mais uma corrida ao calendário. Representa um marco na afirmação do ciclismo feminino e no seu reconhecimento histórico. Durante décadas, as ciclistas lutaram por mais oportunidades, e esta corrida envia uma mensagem clara de que os seus esforços estão a ser recompensados.
O impacto da prova será sentido em várias dimensões. Em primeiro lugar, proporcionará uma plataforma para ciclistas especialistas em corridas longas e de resistência. Tal como na edição masculina, a corrida permitirá diferentes estratégias, beneficiando tanto sprinters como atacantes. Poderá mesmo tornar-se um cenário perfeito para corredoras como Lotte Kopecky e Demi Vollering.
Além disso, a visibilidade da Milan-Sanremo Feminina inspirará futuras gerações de ciclistas femininas, que passam a ter mais um Monumento pelo qual lutar. A inclusão da prova incentivará ainda um maior investimento por parte das equipas e patrocinadores, que verão nas grandes Clássicas femininas uma plataforma cada vez mais relevante.
À medida que se aproxima a primeira edição da Milan-Sanremo Feminina, a expectativa cresce. Quem será a primeira vencedora? A corrida seguirá o mesmo guião da prova masculina, haverá ataques no Poggio? Haverá um sprint na Via Roma?
Uma coisa é certa: esta não será apenas uma prova histórica, mas um passo crucial na evolução do ciclismo feminino. Demorou demasiado tempo a chegar, mas agora que se tornou realidade, a Milan-Sanremo Feminina está destinada a tornar-se uma peça fundamental no futuro do ciclismo, perpetuando o legado de "La Primavera" e escrevendo a sua própria história.