Sir
Bradley Wiggins, o primeiro britânico a vencer a
Volta a França, abriu-se esta semana como raramente o fez sobre as suas lutas após pendurar a bicicleta, revelando que
Lance Armstrong, uma das figuras mais controversas da história do ciclismo, desempenhou um papel decisivo no seu processo de recuperação pessoal.
Em entrevista ao podcast da
Cyclist Magazine, Wiggins contou que o antigo vencedor americano da Volta a França, destituído dos seus sete títulos após o escândalo de doping, ajudou a financiar a sua terapia e ofereceu apoio emocional num momento particularmente difícil. A revelação surge após Armstrong já ter tido um papel semelhante no acompanhamento de Jan Ullrich, também ele marcado por problemas com dependências e crises pessoais.
Para Wiggins, a relação com Armstrong é complexa e carregada de contradições. Em 2013, na ressaca da confissão pública de Armstrong, o britânico, então rosto da Team Sky, criticou abertamente o americano. Hoje, reconhece que aquelas palavras não foram suas.
“Disseram-me o que tinha que dizer sobre o Lance, em termos da minha opinião e outras coisas. Esse foi um dos meus maiores arrependimentos... Quem me dera de ter dito o que realmente pensava.”
Na altura, Wiggins chegou a manifestar frustração pelo facto de Armstrong lhe ter tirado a hipótese de subir ao pódio no Tour de 2009, onde terminou em quarto.
“Olho agora para trás e vejo que ele me roubou talvez o terceiro lugar e a oportunidade de subir ao pódio e sentir o que isso era.”
No entanto, a experiência de estar vinculado a uma estrutura como a Sky, que se apresentava como símbolo de integridade no pelotão, impedia-o de expressar-se livremente.
“Foi difícil, porque eu representava a Sky. Tive de dizer tudo o que eles queriam que eu dissesse sobre o assunto. Eu gostava de ter sido capaz de ter a minha própria voz sobre o assunto”
Essa perda de autonomia é um dos temas recorrentes na reflexão de Wiggins, agora a caminho dos dez anos de reforma. Ele aponta também o dedo aos media, sugerindo que houve hipocrisia no modo como a história de Armstrong foi construída e consumida:
“Acho que os meios de comunicação social sabiam o que ele fazia. Depois fingiram-se surpreendidos. Foi uma espécie de pandemia no desporto. Todos sabiam o que se passava.”
A entrevista também expõe uma desilusão com a cultura da Team Sky, nomeadamente com o muito propagado conceito de “comportamentos vencedores”, que Wiggins hoje encara com cepticismo.
“Lembro-me de todas aquelas tretas que lançaram. Quer dizer, é a mesma coisa que o Dave Brailsford está a fazer agora no Manchester United, o Projeto 21 ou lá como se chama.. Não sei o que é que aquilo significava. Talvez fosse só para impressionar o staff.”
Com um tom introspectivo, Wiggins termina com uma lição amadurecida pela dureza dos últimos anos:
“Estou reformado há quase dez anos e pergunto-me: ‘Meu Deus, o que foram estes últimos dez anos?’ Uma coisa que diria ao meu eu mais novo é: nem todos os que te ajudam são teus amigos e nem todos os que te magoam são teus inimigos.”