CONVERSAS COM PEDAL #23 - UAE Emirates, a Volta a Itália de 2026 e o ciclista misterioso que estará ao lado de João Almeida

Ciclismo
sábado, 13 dezembro 2025 a 20:30
almeida
Dezembro traz sempre um frenesim de notícias sobre calendários e objetivos das principais figuras para 2026. Na história da UAE Team Emirates - XRG, surgiu um enredo curioso em torno da Volta a Itália e de um corredor mistério. João Almeida lideraria a corrida na grande volta italiana, mas quem o acompanha?
Todos os anos, em dezembro, a Costa Blanca, em Espanha, torna-se um polo da comunidade ciclista. Equipas, corredores, staff, jornalistas e praticamente todos os que, de alguma forma, fazem parte do pelotão profissional reúnem-se numa pequena região da península Ibérica, conhecida pelo bom tempo, estradas calmas e paisagens bonitas.
Assim, como tem acontecido desde o último dezembro, apanhei um voo para Valência no dia 11, chegando mesmo a tempo da apresentação da Movistar Team. Bonita, um bom espetáculo, mas, no que toca ao essencial, falar com os corredores, apanhar “o furo” (refiro-me a obter informação exclusiva), o trabalho foi caótico.
Para os adeptos, foi ótimo, com Enric Mas e Cian Uijtdebroeks a passearem pelos corredores da Ciudad de las Artes y las Ciencias, em Valência, enquanto crianças e fãs garantiam o momento da semana com uma fotografia e um autógrafo.
Para quem queria falar com os corredores, mais difícil. Mas ainda assim uma experiência agradável. Na sexta-feira, a maratona na “sala de reuniões” da Lidl-Trek foi o oposto. Quatro horas numa sala pequena, onde a cada 30 minutos alguém comentava, em tom de brincadeira, o cheiro de suor impossível de ignorar. “É o que acontece quando metes 15 homens numa sala fechada”, gracejou Mads Pedersen.
Esse número foi diminuindo ao longo da tarde, com os jornalistas a rarear, uns a falar com corredores fora da sala, outros a sair. No fim, só eu e o Titouan Labourie, do Cyclism’Actu, ficámos, desejosos de falar com Tao Geoghegan Hart, o último da agenda, a quem afinal não chegámos a entrevistar.

Parte 1: Benidorm

Saltemos para sábado, 13 de dezembro. O “dia grande”, com a operação multimilionária da UAE Team Emirates - XRG montada às portas de Benidorm, uma cidade moldada pelo turismo. Tadej Pogacar, João Almeida, Isaac del Toro e cerca de duas dezenas de outros corredores que estiveram em foco em 2025, contribuindo para o recorde de 97 vitórias. Impressionante, diria. Sem surpresa, a assistência estava ao rubro.
Quando arrancou o complexo alinhamento de conferências e mesas redondas, João Almeida foi o primeiro a subir ao palco, às 14:45 locais, para detalhar objetivos, ambições, calendário de 2026 e tudo o que fosse relevante. Daniel Benson abriu o fogo, direto ao calendário do português. Almeida respondeu rápido, revelando, com surpresa, que iria disputar a Volta a Itália e a Volta a Espanha em 2026.
Sem Volta a França, apesar da amizade com Tadej Pogacar. Almeida terá o papel de líder na Corsa Rosa, a corrida onde, há dois anos, subiu pela primeira vez ao pódio de uma grande volta e cuja vitória no Monte Bondone permanece muito viva na memória.

Parte 2: A Volta a Itália

Quando Almeida se afastou da mesa, comicamente grande, eu e o Gonçalo Moreira, da Eurosport/TopCycling, acompanhámo-lo até um canto mais sossegado da sala para o ouvir em português. Logo a seguir, o press officer George Poole aproximou-se e, no seu estilo sempre cordial, disse-me que o Rui Oliveira estava na outra sala e que tinha espaço para falar com ele.
Seguiu-se a conversa com o Rui. A meio, apareceu o irmão gémeo, o Ivo, embora hoje os dois sejam bem mais fáceis de distinguir do que quando entraram na equipa. O tom descontraído rendeu uma boa fatia de tempo passada na zona do bar.
Depois disso (após o António Morgado, já lá vou), de regresso à sala principal, a conferência de imprensa de Isaac del Toro tinha terminado. Curiosamente, poucos minutos antes. E, enquanto eu estava sentado na sala ao lado, nem dei conta de que ele revelara o calendário, incluindo a estreia na Volta a França, e todo o programa para a primavera e o verão de 2026.
Quando soube, dezenas de milhares de pessoas no X (antigo Twitter, sim, continua a ser preciso escrever isto) já tinham essa informação e debatíam-na. Um traço interessante destes “novos media”. Faço parte disso, admito, mas hoje foi um lembrete de como se devem sentir órgãos mais tradicionais e jornalistas experientes.
Claro que a presença de Del Toro no Tour já me era conhecida. Embora Almeida não tenha dito onde o colega estaria quando lho perguntei na conferência, a resposta era óbvia, e num contexto mais privado confirmou-ma. Faz parte do jogo. Sei bem que os corredores têm de ser profissionais e não falar pelos colegas.
Depois chegou o António Morgado, com uma personalidade diferente dos gémeos Oliveira, sobretudo do Ivo, mais reservado, mas com um talento tremendo e confiança no que pode fazer em 2026. Vai treinar com Javier Sola, o treinador de Tadej Pogacar… Talvez seja um sinal do que aí vem.
Durante a conversa com o jovem de talento incrível, revelou-me a mim e ao Gonçalo que iria correr a Volta a Itália, a sua primeira grande volta. Uma grande novidade, claro. E que correria com Almeida. Partilhou que Adam Yates estava na convocatória, tal como Jan Christen, Igor Arrieta e também Florian Vermeersch. Seis corredores.

Parte 3: A perseguição

Em nome do “furo”, sabendo via ProCyclingStats, redes sociais e colegas que a lista para o Giro ainda não tinha sido divulgada, lancei-me à perseguição dos dois nomes em falta. Coisa de jornalista jovem e ambicioso, ansioso por provar valor, admito. Mas o interesse é genuíno, e esta é talvez a pergunta que mais me arde sempre que começo a falar com um ciclista.
Seguiu-se, entre muitas conversas e momentos curiosos, uma perseguição de horas para descobrir quem eram esses dois corredores. A certa altura, cruzei-me com Jay Vine, a quem perguntei. O Jay confirmou-me: ele estava dentro.
Já tínhamos sete corredores. Faltava um para tornar possível uma publicação da qual me orgulhasse, com informação totalmente exclusiva que colegas com décadas de experiência e contactos para lá do que posso sonhar não tinham obtido.
Falei com muitos jornalistas de referência... Daniel Benson, Chris Marshall-Bell, Stefano Rizzato... Nomes do topo do que fazemos e com quem não me posso comparar. Também não sabiam. Os já referidos Moreira, Gustav Volstrup e Titouan Labourie fizeram parte da minha ronda insistente de perguntas.
O George Poole, claro, e o Luke Maguire, que “mandava no palco”, não me puderam dizer. O Joxean Matxin quis respeitar a privacidade dos corredores e não queria ser ele a revelar-me. Compreensível. Fui falar com os ciclistas... O Jan Christen foi outro com quem me cruzei e a quem perguntei, mas também não sabia.
Eu e o Titouan fizemos uma lista longa e depois uma shortlist. Cruzámos informação de ambos e o que é público, e estreitámos a três nomes: Felix Grosschartner, Brandon McNulty e Kevin Vermaerke. Filippo Baroncini e Rune Herregodts também estiveram na lista, mas havia reservas sérias sobre ambos, pelo menos de um de nós.
Pudemos confirmar que Domen Novak não era um deles, Mikkel Bjerg também não... Juan Sebastián Molano, Rui Oliveira, Ivo Oliveira, Benoît Cosnefroy e Pavel Sivakov são todos corredores que poderiam realisticamente ir, mas não irão. Isso sabemos de facto.
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As palavras de Morgado desencadearam uma história que eu não planeava escrever durante um turno de 5 horas num hotel de luxo. @Imago

Parte 4: O desfecho

A pergunta fulcral permaneceu. Na verdade ainda pode ser respondida, mas é provável que não chegue a tempo de garantir o “furo”. Ah, aquela informação exclusiva que pode fazer ou desfazer uma semana de trabalho. Ficou nos rascunhos um artigo 99% concluído, que não consegui fechar porque me faltava 1 (um nome). Duas palavras. Frustrante? Sim.
Fim da história? Não.
Inicialmente, esse seria o fim, pelo menos até o último nome ser revelado. Pode ser revelado, porém? Há sequer um oitavo corredor já decidido? Não consigo responder, e ninguém a quem perguntei o conseguiu.
Talvez não exista, e tudo tenha sido uma caça ao gambozino. Mas isso faz parte do meu trabalho, e se uma caça ao gambozino trouxesse resultado, mesmo que rendesse pouco reconhecimento, continuaria a ser um pequeno triunfo.
A curiosidade mantém-se, sem 8º corredor.
O trabalho do jornalista não é só transmitir a informação, é também contar histórias. Poder escrever sobre o que se passa nos bastidores do media day da melhor equipa do mundo é um privilégio enorme. E, na viagem de volta ao centro de Benidorm, ficou claro que a história não tinha de acabar no “furo” e no oitavo nome.
Em vez disso, a caça por essa informação podia ser a história em si.
Original: Rúben Silva
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