Rúben Silva (CyclingUpToDate)
Em última análise, o percurso da
Volta a França 2026 é daqueles que deixam uma sensação agridoce. Há inovação, há coragem e há espetáculo potencial, mas também decisões que reforçam o “Tour moderno” - explosivo, compacto, centrado na montanha - à custa de algum equilíbrio clássico. Ainda assim, é um traçado ao qual não me posso queixar: há identidade, há ritmo e, acima de tudo, há uma lógica desportiva clara.
Depois de um 2024 marcado pelo excesso de montanhas repetitivas e percursos quase clonados, a organização parece ter aprendido algo: o início de corrida mais plano e tenso trouxe etapas curtas, dinâmicas e emotivas antes da alta montanha. O Tour de 2026 tenta repetir essa fórmula, misturando um arranque nervoso com uma segunda metade infernal.
O resultado? Um percurso que nunca estagna, mas que talvez peque por desequilíbrio: seis etapas para sprinters, várias jornadas curtas e apenas um contrarrelógio individual, acidentado e tardio. A prova volta a privilegiar os trepadores e a limitar as armas dos especialistas.
Há apenas um dia acima dos 200 quilómetros - uma raridade nos tempos modernos - o que confirma a aposta nas jornadas explosivas. O início é exigente, sem oportunidades reais para os sprinters até à 5ª etapa. E se o bloco central (etapas 7 a 13) corre o risco de abrandar o ritmo, os duplos sprints intermédios poderão animar a luta pelas fugas e pela camisola verde.
O traçado é quase uma sequência de mini-clássicas entre Pirenéus e Alpes, com destaque para:
- 3ª etapa, onde puncheurs, sprinters e homens da geral se podem cruzar num final nervoso
- 4ª etapa, ideal para uma fuga de qualidade e possível troca da camisola amarela
- 14ª etapa nos Vosges, puro terreno de alta montanha
- 15ª etapa com o Plateau de Solaison, finalmente de regresso ao Tour
- e o duplo Alpe d’Huez, a ousadia máxima da ASO
A etapa 19 promete ser um teste de watts por quilo puro, curta, seca e direta, que poderá entrar na história pelos tempos recorde que certamente serão batidos na subida mais icónica do Tour.
Mas é a 20ª etapa que eleva o percurso para outro patamar. Um dia monumental, com mais altitude, mais dureza e uma sequência de colossos alpinos: Croix de Fer, Galibier e o inédito Alpe d’Huez pelo Col de Sarenne. É uma aposta ambiciosa, digna dos melhores percursos de uma Grande Volta e uma decisão que garante emoção até ao último suspiro da corrida.
O percurso tem o mérito de manter a tensão constante, mas também o risco de criar zonas mortas, especialmente entre as etapas 7 e 13. É o preço de apostar em blocos curtos e seletivos. Ainda assim, a inclusão de sprints intermédios duplos e finais técnicos mostra um esforço para evitar monotonia.
No fundo, é um Tour para especialistas de montanha e finalizadores explosivos. Há pouco espaço para o meio-termo - ou se é um sprinter, ou um puro trepador.
O desenho é feito à medida de
Tadej Pogacar. O esloveno parece imune a qualquer traçado, mas este, em particular, favorece as suas características agressivas e a sua capacidade de atacar em qualquer terreno.
Remco Evenepoel dificilmente encontrará motivação num Tour com um contrarrelógio curto e irregular. Tudo indica que apostará na Volta a Itália, onde poderá explorar o seu perfil.
Jonas Vingegaard enfrenta o mesmo dilema: ou desafia Pogacar no seu território, ou aposta no Giro, com um percurso mais previsível e adequado ao seu estilo metódico.
Mathieu van der Poel, por seu lado, deverá continuar a priorizar as clássicas e, talvez, o BTT, deixando o Tour fora do seu calendário competitivo principal.
O Tour 2026 não é perfeito, mas é um passo na direção certa: menos previsível, mais concentrado e com final épico. É, ao mesmo tempo, uma homenagem à tradição e uma resposta à era moderna de corridas curtas e dinâmicas.
Nota final: 7,5/10 - um Tour sólido, tenso e visualmente deslumbrante, mas que ainda podia oferecer mais espaço aos especialistas e menos monotonia no meio da prova.
Carlos Silva (CiclismoAtual)
A apresentação do percurso da Volta a França 2026 deixou duas grandes interrogações no ar: Remco Evenepoel estará na partida? E Jonas Vingegaard, juntamente e a Team Visma | Lease a Bike, manterão o plano de apostar na dupla Volta a Itália/França, arriscando deixar Tadej Pogacar a caminho de um quinto título sem oposição direta?
O traçado apresentado confirma que o Tour do próximo ano não será um passeio. O percurso mistura seis etapas para sprinters, sete chegadas em montanha e um único contrarrelógio individual, que surge apenas na terceira semana, logo após o segundo dia de descanso e não favorece os especialistas puros.
A opção da organização em atrasar o crono e torná-lo mais acidentado parece clara: manter a incerteza até ao fim, com a filosofia de “manter a camisola amarela viva até ao último fim de semana”.
Mais uma vez, a zona centro-sul e sudeste de França acolhe o essencial da corrida. Os Pirenéus surgem cedo, mas a verdadeira seleção será feita nos Alpes, culminando com uma etapa monumental no Alpe d’Huez, que apresenta mais de 5000 metros de desnível acumulado.
Nesse dia o p+elotão enfrentará sucessivamente o Col du Télégraphe, o Col du Galibier e o Col de Sarenne, antes da icónica chegada ao Alpe d'Huez. Um final de alta montanha digno da tradição e da tensão moderna que o Tour procura recuperar.
A incursão mais a norte acontece apenas na derradeira etapa, em Paris, com um toque identico ao do da edição deste ano: os Campos Elísios mantêm o palco simbólico da chegada, mas o percurso incluirá a subida empedrada de Montmartre, prometendo uma conclusão mais seletiva e fotogénica.
O desenho do Tour 2026 parece talhado à medida de Tadej Pogacar, que continua a somar títulos e a dominar qualquer tipo de terreno. O traçado não o penaliza: as longas subidas, a ausência de contrarrelógios planos e a irregularidade do percurso favorecem claramente o esloveno.
A questão passa, agora, por saber quem ousará enfrentá-lo no seu território predileto.
Evenepoel terá de decidir se o desafio vale o risco, sabendo que o contrarrelógio não é plano, é curto e técnico. Vingegaard, por sua vez, enfrenta o dilema estratégico da época: apostar no Giro ou mudar de planos e regressar ao Tour para tentar travar a hegemonia do Campeão do Mundo.
O desenho da edição de 2026 confirma o equilíbrio que a organização tem procurado nas últimas temporadas: oportunidades para sprinters, puncheurs e trepadores, mas com um crescendo constante de dificuldade até à terceira semana.
Tudo indica que o Tour do próximo verão será um verdadeiro teste de resistência, onde o sucesso dependerá tanto da forma física como da capacidade de gestão ao longo das três semanas. Um percurso “para todos os gostos”, sim, mas sem margem para erros. E se há algo que a história recente nos ensinou, é que Pogacar raramente erra em solo francês.
Nota final: 7/10 Os sprints bonificados nas etapas planas prometem não deixar arrefecer a corrida, a alta montanha fará muitos estragos, pelo que teremos muitos e bons dias de ciclismo no próximo mês de julho.
Jorge Borreguero (CiclismoAlDia)
Para ser sincero, o itinerário da Volta a França de 2026 deixou-me algo indiferente. Talvez a temporada de 2025 tenha terminado em alta, talvez a fasquia estivesse demasiado elevada, mas as novas alterações da ASO não me convenceram. Há um esforço visível para modernizar, equilibrar e dramatizar a corrida até ao fim, mas a essência - o confronto completo entre diferentes tipos de ciclistas - parece perder-se a cada edição.
O que mais me incomoda é a progressiva destruição dos contrarrelógios nos Grand Tours. Todos os anos se reduzem quilómetros, relevância e impacto. No Tour de 2026, a situação atinge um ponto crítico: um único contrarrelógio individual, com menos de 30 quilómetros, e ainda por cima num percurso acidentado, onde nem os especialistas terão terreno para brilhar.
O contrarrelógio por equipas inaugural, que em tempos poderia causar diferenças e dar ritmo à corrida, será praticamente irrelevante. Sem grandes distâncias nem finais técnicos, servirá apenas como um prólogo disfarçado.
O resultado? Uma Volta centrada apenas num tipo de corredor: o trepador completo e agressivo, como Tadej Pogacar.
É difícil não ver o padrão. A ASO parece querer concentrar a narrativa na rivalidade Pogacar–Vingegaard. São eles o eixo de toda a corrida e o desenho reflete isso. O percurso não favorece a diversidade tática, nem o talento dos roladores que poderiam equilibrar a disputa.
Remco Evenepoel, por exemplo, fica imediatamente em desvantagem. O belga, o melhor contrarrelogista do mundo, teria potencial para virar a corrida de pernas para o ar com um percurso equilibrado. Mas, neste formato, o seu talento no crono é praticamente neutralizado.
Se o Tour mantivesse uma filosofia mais clássica - com 50 ou 60 quilómetros de esforço individual - Evenepoel poderia colocar Pogacar e Vingegaard sob pressão real. Assim, nem vale a pena falar em luta tripla pela geral.
Outro ponto fraco está no bloco pirenaico. A passagem pelos Pirenéus parece puramente protocolar - duas etapas de média dificuldade, sem altitude, sem dureza e sem impacto previsível na classificação geral. Um desperdício de terreno lendário.
É difícil entender como se pode incluir uma cordilheira histórica no mapa da corrida e não lhe dar papel relevante. Quando muito, servirá de aquecimento antes do verdadeiro Tour começar nos Alpes.
Apesar das críticas, há também mérito e boas ideias. A decisão de manter a chegada em Montmartre, por exemplo, é excelente. O final de 2025 foi um espetáculo absoluto: Wout van Aert a vencer em sprint reduzido, Pogacar a lutar pela etapa já com o Tour no bolso e o público parisiense completamente rendido ao formato.
Essa fórmula resulta - traz emoção e torna o final mais imprevisível do que o tradicional sprint nos Campos Elísios.
Além disso, há várias etapas de média montanha muito bem desenhadas, com terreno aberto à imaginação e espaço para fugas ambiciosas. Esses dias deverão dar grande espetáculo, especialmente quando as equipas de segunda linha e os caçadores de etapas decidirem arriscar desde o quilómetro zero.
A Volta a França de 2026 é tecnicamente competente, mas emocionalmente previsível. Faltam-lhe contrarrelógios que criem suspense, Pirenéus que façam história e etapas longas que testem a resistência clássica dos ciclistas. É um Tour seguro, pensado para o entretenimento rápido e para as audiências, mas sem o peso estratégico que definiu as melhores edições da história.
Nota final: 6/10 - um percurso sólido, mas sem alma. Um Tour que entretém, mas não apaixona.
O Tour regressará a Montmarte em 2026. @Imago
Ivan Silva (CiclismoAtual)
Depois de analisar em detalhe o percurso da Volta a França 2026, a primeira semana deixa-me com sentimentos mistos e, honestamente, uma certa desilusão. Compreendo que algumas decisões tenham razões comerciais, sobretudo a necessidade de prolongar o espetáculo em Barcelona, mas do ponto de vista desportivo o arranque do Tour está longe de ser inspirador.
Não sou adepto dos contrarrelógios por equipas (TTT), mas entendo a lógica. É a forma mais eficaz de justificar dois dias em Barcelona, maximizando o retorno mediático e turístico. Ainda assim, preferia claramente um prólogo tradicional: curto, explosivo e capaz de oferecer a oportunidade a um sprinter ou puncheur de vestir a Camisola Amarela no primeiro dia.
Com o formato atual, isso torna-se praticamente impossível. A TTT da 1ª etapa e o percurso montanhoso da 2ª, com final no Estádio Olímpico, farão com que os trepadores assumam desde logo o protagonismo. Assim, qualquer hipótese de um “outsider” conquistar a amarela e viver os seus quinze minutos de fama desaparece logo à partida.
Outro erro, na minha opinião, é a presença de alta montanha logo na primeira semana. A etapa 6, nos Pirenéus, traz o Tourmalet demasiado cedo — o que retira o encanto da construção gradual de tensão. Em vez de deixar espaço para histórias paralelas, a corrida mergulha de imediato na luta pela geral.
Sem o suspense de uma camisola amarela passageira ou uma fuga bem-sucedida, perde-se aquele charme clássico dos primeiros dias.
E depois há o maior problema de todos: as cinco etapas planas puras — 5, 7, 8, 11 e 13.
Cada uma delas é um convite ao marasmo televisivo até aos últimos 10 quilómetros.
Nos últimos anos, a ASO parecia ter aprendido com a experiência: misturar etapas com vento lateral, pequenos muros ou colinas que baralhassem o pelotão. Mas em 2026, regressa-se ao pior dos velhos tempos: planícies infindáveis, ritmo controlado e final previsível.
Com um calendário cada vez mais sobrecarregado e público exigente, custa perceber porque razão se desperdiçam tantos dias em que nada de relevante deve acontecer.
Para lá da TTT de abertura, o Tour de 2026 oferece apenas mais um contrarrelógio individual, curto e montanhoso.
É quase um insulto à tradição da corrida.
Parece inacreditável que um campeão do mundo de contrarrelógio e ciclistas como Filippo Ganna ou Joshua Tarling tenham tão pouco espaço para brilhar.
E é igualmente óbvio que Remco Evenepoel olhará para este percurso com desinteresse. Sem quilómetros de crono, o belga perde o terreno onde poderia realmente ameaçar Pogacar e Vingegaard.
No fundo, o Tour 2026 reforça uma tendência preocupante: o encerramento progressivo da corrida aos especialistas noutros terrenos.
A luta pela geral será uma vez mais dominada pelos mesmos protagonistas - Pogacar, Vingegaard, talvez Roglic - sem espaço para surpresas.
A ausência de empedrado, gravilha ou etapas com abanicos retira qualquer elemento de imprevisibilidade. É o Tour das montanhas curtas, dos watts por quilo e das diferenças reduzidas até ao último fim de semana.
Apesar de tudo, há mérito em alguns detalhes:
- O circuito de Montjuic é sempre um espetáculo visual e técnico
- A etapa 10 é muito bem construída e deverá proporcionar um belo duelo entre puncheurs
- A etapa 17, entre dias decisivos de montanha, será uma oportunidade perfeita para fugas de qualidade
- E, claro, o duplo Alpe d’Huez nos dias 19 e 20 é o grande trunfo
Também é positivo ver o Tourmalet integrado numa fase mais decisiva (etapa 6), embora pudesse ter sido ainda melhor aproveitado noutra parte da corrida.
No geral, não é o meu tipo de Tour. Falta-lhe risco, falta-lhe variedade e, acima de tudo, falta-lhe alma de aventura.
Entre a ausência de contrarrelógios, a redundância das etapas planas e a previsibilidade da luta pela geral, é difícil entusiasmar-me com este percurso.
Pontos positivos: o circuito de Montjuic, o Tourmalet em boa fase, as etapas 19 e 20 como clímax.
Pontos negativos: demasiado poucas oportunidades de TT, demasiadas etapas planas mal posicionadas, zero hipóteses para sprinters conquistarem a amarela, sem empedrado — e uma corrida desenhada apenas para dois perfis de ciclistas.
Nota final: 6/10.
Um Tour bonito no papel, mas frio na emoção.