O outro lado da igualdade: equipas do WorldTour feminino à beira da exaustão!

Ciclismo
quinta-feira, 23 outubro 2025 a 00:00
landscape world european
Nos últimos anos, o ciclismo feminino tem vivido um crescimento sem precedentes. A profissionalização do World Tour feminino, o aumento dos salários mínimos e a melhoria da exposição mediática criaram uma nova era de oportunidades. No entanto, essa evolução meteórica está também a gerar desequilíbrios internos que, segundo algumas vozes experientes, ameaçam a sustentabilidade da modalidade.
Uma dessas vozes é a da ex-ciclista Natascha Knaven-den Ouden, que alertou em entrevista ao Sporza para os perigos de tentar igualar o modelo masculino demasiado depressa.
“A UCI profissionalizou o World Tour. Os salários subiram e as equipas puderam aumentar para 20 ciclistas, mais duas neo-pros. Mas curiosamente, está a acontecer o contrário”, observou a holandesa.
De facto, várias formações estão a reduzir os seus plantéis para 14 ou 16 ciclistas, e algumas nem sequer conseguem cumprir a obrigatoriedade de alinhar em todas as provas do calendário WorldTour.

“O ciclismo feminino é um desporto diferente”

Para Knaven, o problema não está na ambição, mas na velocidade com que as reformas estão a ser implementadas.
“Há toda uma mania de querer equiparar as mulheres aos homens. Mas o ciclismo feminino é uma modalidade completamente diferente, e está numa fase de desenvolvimento também distinta.”
O ciclismo masculino teve mais de duas décadas para consolidar o seu modelo World Tour. O feminino tenta fazê-lo em cinco anos. Este ritmo, explica Knaven, está a colocar pressão excessiva nas estruturas.
“A tónica está a ser colocada sobretudo nas ciclistas de topo e na igualdade salarial. Mas os salários estão a crescer mais depressa do que os orçamentos das equipas. Há demasiado foco no dinheiro, o que está a fazer com que o ciclismo feminino imploda a partir de dentro.”

Um edifício sem alicerces

Knaven usa uma analogia simples para descrever o dilema atual: “As equipas têm de injetar tanto dinheiro nos salários que resta menos para o staff, treinadores ou estágios. As equipas femininas estão a construir uma estrutura com ciclistas, mas sem bases. É como construir uma casa: não se começa pelo telhado, mas pelos alicerces.”
Em suma, o aumento dos salários, embora justo, está a ser acompanhado por uma falta de investimento nas infraestruturas de apoio. A qualidade do treino, da preparação física e até da logística sofre quando as equipas canalizam quase todo o orçamento para garantir ciclistas de topo.

A erosão das bases

O impacto deste desequilíbrio começa já a sentir-se nas categorias inferiores. As equipas de desenvolvimento estão a desaparecer e o calendário continental feminino encolhe de ano para ano.
“As equipas de desenvolvimento estão a ficar mais pequenas, as continentais estão a desaparecer e o calendário abaixo do World Tour está a diminuir”, alertou Knaven.
Com menos oportunidades de progressão, as jovens talentos encontram cada vez mais barreiras para chegar ao topo. Isso, defende a holandesa, poderá gerar uma crise de renovação dentro de poucos anos.
“Sem investimento ao nível das bases, a elite vai secar. O World Tour não será capaz de se sustentar. Os organizadores estão lá, as corridas estão lá, as ciclistas estão lá. O que falta é a estrutura.”

Um apelo à sustentabilidade

A reflexão de Natascha Knaven é partilhada por várias figuras do pelotão, que pedem moderação e visão a longo prazo. O crescimento do ciclismo feminino deve continuar, mas sustentado por infraestruturas, formação e estabilidade financeira, não apenas por aumentos salariais e calendário expandido.
O risco é claro: sem uma base sólida, o topo pode ruir. O progresso tem de ser equilibrado, gradual e acompanhado por medidas estruturais, ou o ciclismo feminino poderá descobrir que crescer demasiado rápido também pode ser uma forma de colapsar.
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