Natural de São Miguel,
João Medeiros tem vindo a construir um percurso sólido no ciclismo nacional, levando consigo a identidade açoriana e uma história de superação que começa dentro de casa. Questionado sobre as origens da sua paixão, o corredor não hesita em recuar aos primeiros anos, quando acompanhava o pai nas voltas de bicicleta pela ilha. "A paixão pelo ciclismo começa pelo meu pai que costumava dar umas voltas de bicicleta e eu adorava ir com ele, depois ele começou a organizar as provas em São Miguel e mais dentro do ciclismo fiquei, com isso começo também a correr nos Açores e mais tarde em cadete e Júnior vou ao continente correr para ganhar experiência, a verdade é que quando comecei a ir ao continente correr o choque foi muito grande e percebi que ainda estava muito longe de ser ‘bom’ foi aí que realmente comecei a dedicar-me muito ao ciclismo e foi uma paixão e obsessão que veio sempre a crescer comigo por isso fico muito contente de hoje conseguir fazer da minha paixão o meu trabalho".
Representar os Açores no pelotão nacional tornou-o uma referência para muitos jovens da região, mas João desmonta a ideia de que isso lhe traz mais motivação: o que sente é responsabilidade. "Não que me dá motivação, mas sim um sentido de responsabilidade para mostrar aos mais jovens que ambicionam ser ciclistas e que vivem nos Açores que é possível chegar lá e conseguir estar a lutar pelos lugares cimeiros! Porque o ciclismo nos Açores não é tão desenvolvido como no continente e é muito difícil o choque que levávamos quando vamos correr cá fora, mas foi algo que nunca deixei que me assustasse e trabalhei muito para conseguir estar taco a taco com eles e sei que é possível mais jovens açorianos o fazer".
A temporada de 2025 trouxe vitórias de peso no Grande Prémio Abimota (2 etapas) e no Douro Internacional (1 etapa), além de uma exibição muito positiva na
Volta a Portugal, que concluiu no top 20. Questionado sobre qual destas conquistas foi mais marcante, Medeiros revela que todas tiveram um significado especial. "A verdade é que foram todas especiais! Queria muito estar bem este ano nessas corridas e quando as coisas surgiram como planeado teve um gosto especial!", começou por referir.
A vitória de Medeiros na 2ª etapa do GP Douro Internacional, com chegada a Resende.
"A primeira foi como um alívio muito grande porque fez-me acreditar em mim, e logo após ganhar disse que no dia a seguir tinha mais uma etapa a ganhar e consegui… estes dois dias foram os meus preferidos do ano (risos). Quanto à vitória no Douro foi uma vitória muito importante para mim porque mostrou a raça que tento levar comigo todos os dias, o nunca desistir e acreditar em mim, ataquei a 55 km com o pensamento de que iria ganhar e quando o consegui o alívio e a felicidade caíram sobre mim! Depois ainda consegui fazer uma restante boa época mas acho que o meu ponto alto foi até aos nacionais".
A Volta a Portugal continua a ser uma prova de enorme peso no calendário e, para João Medeiros, esta edição trouxe satisfação, mas também um conjunto de contrariedades que marcaram o desempenho. "Depois de uma boa época eu queria muito estar bem na Volta a Portugal para mostrar que consigo ser um ciclista regular para mim próprio! A verdade é que embora não tenha sido uma má exibição eu queria muito ter ganhado uma etapa, sei que era possível e não queria deixar a oportunidade cair, a verdade é que também algumas coisas não surgiram durante a volta devido a ter ficado doente durante a mesma e 7 dias antes da volta também tive de ficar sem treinar durante 3 dias devido a um corte que tive de fazer na zona que me sento no selim, foi um abcesso que me apareceu naquela região, mesmo no dia que fiz o corte ainda tentei treinar mas passado 1h tive de ligar ao meu pai porque só me escorria sangue pelo calção. Tudo isto talvez fez com que não fosse a volta que mais ambicionasse mas também não posso ficar desiludido com a volta que fiz porque nunca me dei por vencido e tentei sempre dar a volta por cima aos azares e isso talvez foi a maior lição que levei deste ano".
O Campeonato Nacional, porém, trouxe um dos momentos mais difíceis da sua carreira recente. Depois de uma exibição de enorme qualidade, João cruzou a meta em 3º, mas acabou desclassificado, um episódio que confessa ainda não conseguir digerir totalmente. "Isto é um assunto que ainda hoje não me é fácil falar, estava na minha melhor forma de sempre e sabia isso, só queria ter a oportunidade de o mostrar e as coisas estavam a correr como eu queria, faltava 15 km e eu estava na disputa da corrida… mas a partir daí algo desalinhou-se e tudo descambou, furei e consegui recolar novamente depois de um FairPlay demonstrado pelo Ivo e Pedro".
"Depois descolei num ataque do Pedro mas sabia que se fosse no meu ritmo iria voltar a chegar lá e isso estava a acontecer, já os estava a ver à minha frente só que bati num buraco e fiquei sem mudanças e para piorar ficou nas mais pesadas durante os últimos 5 km, tudo isto mexeu muito comigo porque sabia que tinha perdido uma grande oportunidade de ser campeão nacional, algo que acreditava muito que era possível!"
O pior ainda estava para vir. "Para ajudar a isto tudo no pódio sou informado que fui desclassificado porque durante a minha recolagem após o furo dizem que fui agarrado ao carro do meu diretor! Ao tentar defender-me perante a presidente dos comissários porque até hoje acredito que não fiz nada de irregular simplesmente ao reentrar novamente na frente de corrida peguei em um bidon para hidratar a boca e acalmar os ânimos, percebi que não valeria a pena dizer mais nada porque quando ela me disse que eu não tinha furado e estava era a descolar da frente da corrida algo de muito errado existia ali e simplesmente expôs o caso à federação! Não é um assunto nada fácil para eu digerir até hoje. Não só o facto de todo o meu azar que me deixou bastante triste mas também com tudo o que se desenrolou a seguir".
O Campeonato nacional de estrada 2025 foi ganho por Ivo Oliveira
João Medeiros falou também sobre as suas características enquanto corredor, explicando que, apesar de ser geralmente rotulado como trepador, não se limita apenas à montanha. "Sim, o meu peso e composição física indicam mais que sou trepador mas a verdade é que sinto-me também muito à vontade em subidas mais curtas e explosivas, e acho que poderia ser o meu foco se muitas vezes não estivesse tão magro, o que me faz perder talvez um pouco da explosão necessária para esse tipo de esforços mais curtos", explicou.
Ainda assim, acrescenta que a preparação para etapas de montanha continua a ser central: "Durante o meu treino tento focar-me mais na montanha e nas subidas mais longas, porque se não for algo que treine muito também não consigo render depois nas mesmas. Num resumo sou um trepador que precisa de treinar muita montanha para estar bem nas mesmas (risos)".
O corredor da
Credibom / LA Alumínios / MarcosCar reforça também a importância da estrutura que o acompanha desde muito jovem. "Já estou na estrutura do Luís Almeida há sete anos e muito se passou nestes anos, foi lá que cresci enquanto atleta e enquanto pessoa. A equipa tem feito de tudo para me ajudar nestes anos e nisso sou-lhes muito agradecido, por isso espero continuar lá a tentar evoluir e contribuir para melhores resultados". João sublinha ainda o ambiente interno como um fator crucial para o rendimento coletivo: "O projeto também cresceu muito e isso faz-se notar cá para fora! Temos um ambiente muito bom entre todos, somos todos jovens e todos querem evoluir, o que é muito importante se quisermos ser melhores ano após ano e estar na disputa das corridas".
Quando a conversa se desloca para as exigências físicas e mentais do ciclismo, João Medeiros revela uma visão muito própria sobre o equilíbrio necessário para manter a performance. "Para mim, o ciclismo é mais mental do que físico, porque os momentos em que estou melhor fisicamente também são os momentos em que psicologicamente estou melhor e isso ajuda muito".
O ciclista explica que a rotina de treinos é construída em conjunto com o seu treinador e que a gestão do descanso é uma prioridade. "A nível mental, o que tento muito é melhorar as rotinas pós-treinos e de descanso porque é aí que está a diferença toda. Se não fizer esta parte bem, no dia a seguir já vou sentir no treino que as sensações não estão iguais e, se isso se for acumulando, é algo que vai afetar o rendimento".
O afastamento prolongado dos Açores também pesa: "Começo a perceber que se ficar muito tempo sem vir a casa/Açores, a cabeça começa a não conseguir trabalhar da mesma forma, então é algo que tento falar com a equipa para, em certas fases, conseguir vir a casa relaxar um pouco".
Sobre referências no pelotão, João admite que a inspiração foi evoluindo ao longo do tempo. "No início o meu ciclista preferido era o Alberto Contador e foi nele que sempre me inspirei enquanto miúdo, mas passado os anos fui ganhando mais admiração por todos os ciclistas e não posso dizer que tenha só um que me inspire, porque a verdade é que gosto de muitos".
Para o açoriano, a dureza de competir internacionalmente muda a forma como se olha para o ciclismo profissional: "Quando começamos a perceber o quanto custa correr lá fora já olhamos para eles de forma diferente e realmente todos têm de ser muito bons".
Por fim, ao projetar o futuro, João Medeiros não esconde as ambições para 2026. "Na próxima época quero conseguir superar o meu nível de vitórias de 2025 e conseguir estar na discussão de mais corridas. Mas o foco principal passará pelos Campeonatos Nacionais e Volta a Portugal, são corridas que quero muito estar bem e para isso vou trabalhar".
Quanto ao sonho de competir além-fronteiras, o ciclista mantém os pés bem assentes na terra: "Ambicionar ir para o estrangeiro é algo que todos nós enquanto atletas ambicionamos, mas para isso preciso primeiro de fazer uma boa época e é nisso que me quero focar".
Créditos da foto: Correio dos Açores, Federação Portuguesa de Ciclismo