A Noruega consegue colocar ciclistas no topo da
Volta a França, mas
Jonas Abrahamsen acredita que o ciclismo no país está, silenciosamente, a ser privado da visibilidade de que precisa para sobreviver.
A preocupação não gira em torno de medalhas, prestígio ou sequer da sua própria época de afirmação. Abrahamsen questiona antes o que vem a seguir, e quem se inspira, se o ciclismo profissional continuar a desaparecer dos ecrãs da televisão norueguesa.
Em entrevista à Domestique, o corredor da
Uno-X Mobility deixou um alerta que vai muito além de uma corrida ou de uma decisão de calendário.
“Se não tens uma corrida profissional na TV, as crianças não conseguem ver as estrelas”, disse Abrahamsen, apontando para
um fosso crescente entre o sucesso internacional e a exposição doméstica.Visibilidade, não sucesso, é o verdadeiro problema
O argumento de Abrahamsen assenta na ausência, não no fracasso.
O desaparecimento da Volta à Noruega do calendário, a transmissão intermitente e a atenção limitada dos media generalistas deixaram o ciclismo cada vez mais marginalizado num país dominado pelos desportos de inverno.
Abrahamsen deu à Uno-X a primeira vitória de sempre em etapas do Tour em 2025
A dimensão do problema frustra-o precisamente porque é resolúvel. “Será talvez um milhão de euros. Não é nada para a Noruega”, afirmou, defendendo que o custo de manter uma corrida profissional e uma cobertura consistente é irrisório face ao impacto de longo prazo na participação e na formação. “É tão importante para a modalidade”.
Para Abrahamsen, as consequências são geracionais. Sem modelos visíveis, o ciclismo luta por atenção, independentemente do rendimento dos noruegueses lá fora. “A Noruega sempre adorou os desportos de inverno”, acrescentou. “Também pode adorar o ciclismo”.
Uma época que mostra o que é possível
Estas palavras ganham peso à luz do trajeto do próprio Abrahamsen. A sua vitória de etapa em Toulouse, na Volta a França, não foi um golpe de sorte, mas o produto de experiência acumulada e correção. Falou abertamente sobre lições de Tours anteriores, ajustando o timing do sprint depois de ter arrancado cedo demais em 2023 e abordando os momentos decisivos com mais contenção.
“Se gastasse a energia antes do sprint, não conseguia ganhar”, avaliou, descrevendo um triunfo assente na paciência e no cálculo, não no impulso.
A mesma lucidez aplicou-se ao regresso de lesão no início da época. Após fraturar a clavícula pouco antes do Tour, Abrahamsen procurou uma resposta médica definitiva em vez de arriscar por instinto. “Soube bem ter um especialista a dizer estás apto ou não”, explicou, antes de voltar quase de imediato aos treinos. O resultado não foi apenas participar, mas vencer no maior palco do ciclismo.
Uno-X, padrões e responsabilidade
A perspetiva de Abrahamsen também é moldada pela longa ligação à Uno-X Mobility, um projeto que viu crescer das raízes domésticas até à presença no WorldTour. Credita a influência de figuras experientes como Alexander Kristoff na imposição de padrões de exigência e profissionalismo, explicando como o comportamento, mais do que a retórica, define o tom dentro da equipa. “Sempre que ele corre, dá tudo”, disse Abrahamsen.
Com esse progresso, porém, chega a expectativa. “Precisamos de mais corredores a dar o passo para as vitórias”, acrescentou, reconhecendo que a oportunidade, por si só, não garante resultados. O estatuto WorldTour da equipa foi conquistado sob pressão constante e lutas por pontos no fim da época, não oferecido pela reputação.
Um aviso, não uma queixa
Abrahamsen evita enquadrar as suas palavras como ressentimento. Lêem-se como um aviso de quem conhece os dois lados do sistema. Internacionalmente, o ciclismo norueguês prospera. Em casa, teme que esteja a tornar-se invisível.
“É uma merda”, disse sobre a situação atual, regressando ao ponto central da exposição. Sem corridas na televisão, sem presença doméstica consistente, o funil arrisca estreitar antes sequer de começar.
Para Abrahamsen, o perigo é simples. O sucesso que não se vê custa a inspirar, e uma modalidade sem estrelas visíveis raramente produz novas.